A data prevista para o parto não é ordem de despejo - Pumpkin.pt

A data prevista para o parto não é ordem de despejo

A data prevista do parto não é ordem de despejo

Um ensaio sobre a data prevista para o parto - e sobre a liberdade da mulher.

Este texto, escrito por Sara do Vale – doula e sócia fundadora da Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto -, levanta algumas questões muito relevantes sobre a força da decisão das mulheres na hora do parto e da importância de conseguir esperar pela hora e o tempo de cada bebé.


Ela chora. Ultimamente tem chorado muito. Mas o que se passa? Grávida de 38 semanas, pela segunda vez, de um bebé saudável, tudo a correr bem. Chora porque não tem “sinais”. Sinais de parto. Não há nada que indique que as coisas estão para começar – nada visível, palpável, relatável, entenda-se.

O fantasma do seu primeiro parto ainda paira, e traumatiza

Tudo começou com uma indução antes das 40 semanas, “porque vem aí um fim-de-semana prolongado, depois se entra em trabalho de parto pode não haver gente para a atender, vai ser muito complicado”.

Esta afirmação é no mínimo ridícula, perversa por sugerir que pode ficar sem apoio, e deliberadamente feita para a decisão ser tomada de forma bastante célere. Mas o que sabe um casal de primeira viagem, que fica preocupado com a possibilidade de “não ter ninguém”?

Concordaram com a indução. O parto não correu mal. Mas seguiu-se a catadupa de intervenções. Indução, epidural, episiotomia, ventosas. Ela sente como se lhe tivessem roubado o seu parto, tem pena e sabe que desta vez quer fazer diferente.

Os riscos da indução

Está mais informada sobre os riscos de uma indução, sabe que se for induzida as hipóteses do parto acabar numa cesariana aumentam exponencialmente e que as contracções de uma indução, por serem artificiais, são mais fortes, longas e seguidas, dando menos possibilidade ao bebé de recuperar entre elas e este pode mesmo entrar em sofrimento por restrição de oxigénio e sangue.

Ela também terá poucas chances de não pedir uma epidural, pela intensidade das contracções e porque este parto “artificial” não tem o “cocktail de hormonas” naturais.

– A oxitocina (a hormona do Amor, que nos faz sentir calmas, empáticas e em ligação);

– As beta-endorfinas (a hormona que é um alívio natural à dor);

– A prolactina (a hormona responsável pela produção do leite materno que também atua como um relaxante natural, promove a ligação mãe/bebé e acende nesta uma vigilância e atenção para com a sua “cria”).

Estas hormonas, trabalhando em conjunto, ajudá-la-ão a lidar com o evoluir do trabalho de parto, dando-lhe até prazer no processo.

Desta vez quer confiar no seu corpo, e confiar que o seu bebé vai escolher a altura certa para nascer. As semanas passam e na consulta das 40 semanas, lá vem a temida palavra “mágica” começada pela letra “I”. Não é abordada como uma opção, não é uma pergunta. É uma declaração, o óbvio próximo passo. “Vamos então marcar aqui a indução para o dia X.”

E quando ela diz que não, que prefere esperar, pois acabaram de ver que está tudo bem com o bebé, é chamada de irresponsável. “Mas vocês querem um bebé morto? É isso que querem? EU não quero um bebé morto! Porque é que não-há de induzir, ele já não está aí dentro a fazer nada!”

Claro que isto, apesar de real, é um caso extremo. Claro que não se tratam assim nem se diz isto às grávidas todas mas, variações à parte, a mensagem é esta e é clara: esperar mais não é opção. Que sinal e mensagem passamos às mulheres, aos casais, com esta impaciência?

Esta impaciência implica que há algo melhor que virá depois, e que sabemos melhor do que o corpo delas

Quando na verdade podemos estar a criar mais problemas com estas interferências. Quando agimos com impaciência, estamos a comunicar àquela mãe que o seu corpo é desadequado, partido, atrasado, que não funciona, que ela não é capaz, que não é boa o suficiente e que de alguma forma não está à altura. Não é uma boa base para uma mulher que está prestes a tornar-se mãe, este desempoderamento e perda de controle.

As decisões que uma mulher, ou que um casal, toma durante a gravidez e o parto são as primeiras que estão a fazer como pais. Queremos encorajá-los ou deitá-los abaixo, assustando-os para que escolham aquilo que mais convém a este ou aquele serviço?

Há muito medo à volta dos números, das datas. A data prevista do parto. Não nos esqueçamos que é precisamente isso: uma previsão. Não uma ordem de despejo, ou um prazo de validade. Pressa de iniciar o parto. Pressa de se rebentar a bolsa de água. Pressa de ver como está a evoluir a dilatação. Pressa de puxar o bebé cá para fora.

De certa forma é a nossa Cultura, esta cultura do imediatismo e da rapidez, mas certas coisas não devem ser apressadas. Claro que uma coisa bem diferente é uma gravidez com um quadro clínico com complicações, um bebé que verdadeiramente estará melhor cá fora, pois já está a dar sinais de precisar de ajuda. Isso não é impaciência, é agir com rapidez e profissionalismo.

Falo de bebés e mães saudáveis. Esperar, deixar amadurecer, desacelerar, é algo que a nossa Cultura atual tem dificuldade em fazer. Induzir, marcar, provocar o parto, afinal que diferença faz? Toda.

Será mesmo que o bebé já não está a fazer nada na sua 38ª, 39ª, 40ª e 41ª semana?

Nas últimas semanas de gravidez, os anticorpos da mãe passam para o bebé. O bebé ganha peso e força, armazena ferro e desenvolve melhor o reflexo de sucção e deglutição. Os seus pulmões amadurecem, e o bebé armazena gordura que o ajudará a manter a sua temperatura corporal durante as primeiras semanas de vida.

O amadurecer do bebé e envelhecimento da placenta enchem o sistema da mãe de prostaglandinas que amolecem o colo do útero para este encurtar e dilatar mais facilmente. O aumento do estrogénio e a diminuição de progesterona aumentam a sensibilidade do útero à ocitocina. O bebé desce mais fundo na pélvis da mãe em preparação para o nascimento.

Esta espera final não é para nada. Quando o bebé, o útero, a placenta e as hormonas estiverem prontos, o trabalho de parto começará. Toda esta preparação leva a um parto mais prazeroso, possivelmente mais descomplicado e sem sobressaltos, e a um bebé de termo, que está fisiologicamente estável e pronto a mamar desde o início.

Vale a pena esperar. E todas as mulheres têm esse direito.

Veja também:

  • Epidural no trabalho de parto: informação para uma escolha consciente

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