O que é a epidural? Como funciona? Quais as vantagens e desvantagens?
Este texto, escrito por Inês Furtado, Médica Interna de Anestesiologia no Hospital Garcia de Orta, foi-nos cedido pela APDMGP, e é um guia completo e indispensável sobre a epidural.
Índice:
Porquê epidural? Qual a vantagem?
Quando deve ser realizada a epidural?
Se a epidural não resultar, posso ser “picada” uma segunda vez?
A dor do trabalho de parto pode ser descrita de muitas formas. Umas mulheres referem-na de forma mais intensa que outras mas, na verdade, a dor é, na sua definição, algo individual, tal como a forma como se lida com ela.
A decisão de realizar uma técnica para aliviar a dor no trabalho de parto deve ser uma decisão unicamente da grávida. É ela que vai passar por todo o processo e, por isso, deve ser ela a decidir, de forma consciente e informada, o que deseja fazer.
As técnicas analgésicas destinam-se a aliviar a dor durante o trabalho de parto, tornando este processo mais confortável, para as mulheres que assim o desejem. No entanto, não é essencial nem indispensável que sejam feitas para que o parto evolua naturalmente. O parto acontece com ou sem analgesia!
Todos os esclarecimentos e aquisição de informações acerca da analgesia no parto devem, idealmente, ser feitos durante a gravidez. Assim, a mulher consegue informar-se correta e atempadamente e pode escolher entre as várias opções disponíveis, tendo tempo para esclarecer todas as dúvidas que surgirem no caminho.
Não deve ter medo de questionar o médico sobre todas as dúvidas que tiver. Muitos hospitais já oferecem, gratuitamente, consultas de anestesia para ajudarem com todas as questões relacionadas com a analgesia do trabalho de parto.
Existem várias opções farmacológicas (ou seja, que implicam a utilização de algum tipo de medicamento, e que devem ser utilizadas somente em ambiente hospitalar). Hoje vamos falar da famosa técnica epidural!
O que é? E como funciona?
A sensação de dor, quente/frio ou pressão são sentidos porque os vários estímulos que recebemos do exterior são enviados para o nosso cérebro através dos nervos. Os nervos, antes de chegarem ao cérebro, passam pela medula espinhal.
A medula espinhal está envolvida por várias camadas (as meninges) e por um líquido (líquido céfalo-raquidiano) que as protegem. Ao realizar uma técnica do neuro-eixo – técnica epidural, raquianestesia ou sequencial -, estamos a colocar medicamentos junto destas meninges que se irão difundir até à medula e bloquear o sinal de dor/ quente/frio/pressão que normalmente seria enviado ao cérebro.
Assim, um estímulo que normalmente entenderíamos como doloroso, não é sentido como tal porque não chega ao seu destino final – o cérebro. É assim que a epidural e as restantes técnicas do neuro-eixo atuam.
Qual é a diferença entre as várias técnicas anestésicas/analgésicas do neuro-eixo e porque só falamos em epidural?
Existem várias camadas-meninges a rodear a medula e podemos colocar o medicamento a vários “níveis” destas camadas. O local onde o medicamento é colocado dá o nome à técnica do neuro-eixo (na técnica epidural coloca-se medicamento no espaço epidural).
A técnica epidural é a mais comummente utilizada e permite a colocação de um cateter (uma espécie de pequeno tubo que permite administrar mais medicamento se necessário). As restantes técnicas são utilizadas em situações mais específicas que dependerão da prática do anestesista e de algumas particularidades médicas da grávida.
Porquê epidural? Qual a vantagem?
A vantagem de realizar uma epidural é exatamente o alívio da dor durante o trabalho de parto.A técnica loco-regional é a mais invasiva, mas a mais eficaz a reduzir a dor. Mesmo assim, em 1 em cada em 20 casos esta analgesia não é suficiente.
Por vezes, o bebé está numa posição que exerce alguma pressão sobre as estruturas pélvicas e esta pressão é bastante desconfortável e difícil de eliminar mesmo com a epidural.
Para além disso, mesmo que a epidural seja eficaz, podem existir zonas, “janelas”, em que o anestésico não conseguiu penetrar corretamente e que por isso podem ser muito desconfortáveis. Algumas vezes, com manobras de posicionamento, estes problemas melhoram ou resolvem-se, outras vezes não.
Como se faz?
Para realizar uma epidural poderá estar sentada ou deitada, dependendo da preferência do anestesista que realizar a técnica. Terá de seguir as indicações que lhe forem dadas para colocar as costas da forma mais adequada possível de modo a facilitar o trabalho do médico e diminuir o risco de falha.
As costas são desinfetadas e é colocado um pano esterilizado. O médico vai palpar o local onde irá picar e depois introduz uma agulha e o cateter no espaço epidural. É um procedimento rápido, demora cerca de 5-10 minutos.
Por vezes, dependendo da anatomia da grávida não é possível encontrar o local certo “à primeira” e é necessário picar as costas mais do que uma vez. Se isso acontecer, tente seguir as indicações que lhe são dadas para melhorar a sua postura. Esta é uma ajuda valiosa.
Depois de o cateter estar no local correto, é fixado com um adesivo e fica com uma torneira onde pode ser administrado medicamento sempre que necessário.
Quando deve ser realizada a epidural?
Quando a grávida tiver dor e quiser fazer a epidural! Não há nenhuma diferença entre realizar uma epidural numa fase muito precoce ou muito tardia. Os efeitos desejados e indesejados são exatamente os mesmos, quer seja feita com 1 como com 10 cm de dilatação.
A analgesia pode inclusivamente ser feita numa fase muito avançada trabalho de parto. Nesses casos normalmente é realizada apenas uma raquianestesia (tem um efeito mais rápido mas não permite deixar o cateter).
Numa fase avançada do trabalho de parto, a grávida geralmente encontra-se mais agitada e por isso os riscos de realizar esta técnica são maiores. O médico anestesista pode recusar realizar a técnica por considerar que a colaboração da mulher não permitirá a sua realização com segurança.
A realização da analgesia com recurso a fármacos não deve ser feita “em antecipação” da dor. Se a mulher está confortável, se as técnicas de relaxamento convencionais (respiração, massagens, etc) estiverem a ser eficazes, não há nenhuma razão para pedir uma epidural “em antecipação” só porque está com medo que posteriormente a dor se torne insuportável.
A epidural deve ser requisitada quando a grávida decidir que o deve fazer, e quando existir dor.
Se a epidural não resultar, posso ser “picada” uma segunda vez?
É de evitar, a todo o custo, uma segunda “picada” já que isso faz duplicar todos os riscos que uma picada tem. Habitualmente a falha do cateter epidural não depende só da ponta do cateter estar bem ou mal colocada, depende da posição da grávida, das “janelas” que referi anteriormente ou do posicionamento do bebé.
Há mulheres em que a epidural não é eficaz (1 em cada 20), mas no caso de falha da técnica, o anestesista irá analisar caso a caso e ponderar se é vantajosa ou não uma segunda picada (muitas vezes não o é).
Durante o trabalho de parto realizei uma epidural mas não gostei da “sensação” que tive, e não quero que me administrem mais medicamento, é possível?
Claro que pode sempre mudar de ideias. Terá de esperar que o efeito da última dose passe (entre 1 a 2h). Se não quiser, não precisa de receber mais nenhuma dose. O cateter ficará no mesmo local em que já se encontra, pois uma vez que já está colocado, é uma mais valia para casos de emergência.
Quais são as desvantagens?
Para a mãe:
A analgesia loco-regional é uma técnica médica invasiva, e como qualquer outra técnica não é isenta de riscos.
Apesar de atualmente a monitorização e execução de todos os passos ser extremamente controlada, estes riscos existem e a grávida deve conhecê-los antes de fazer a sua decisão. Antes de realizar a analgesia deverá assinar um consentimento informado que lhe será fornecido pelo seu médico.
A analgesia loco-regional não aumenta a probabilidade do seu parto ser por cesariana. No entanto, a probabilidade de um parto por via vaginal instrumentado, ou seja, com recurso a ventosa ou fórceps, é maior.
Esta técnica não irá aumentar o tempo da primeira fase do seu trabalho de parto, a fase de dilatação do colo do útero, mas poderá aumentar a duração da segunda fase do trabalho de parto, a fase expulsiva.
Após a epidural, em muitas situações e de acordo com os fármacos que forem utilizados, poderá haver uma diminuição da pressão arterial, normalmente transitória, e às vezes associada a náuseas e vómitos. Em certos casos, será necessário administrar algum outro fármaco por via endovenosa para contrariar esse efeito e para que a pressão arterial volte ao normal.
Um efeito secundário muito frequente é a retenção urinária, ou seja a incapacidade de urinar espontaneamente durante algumas horas. Alguns hospitais, de forma a padronizarem e facilitarem os procedimentos, algaliam por rotina as grávidas que recebem uma analgesia epidural.
No entanto, a colocação de uma algália na bexiga vai limitar ainda mais a capacidade de a grávida se movimentar e aumenta o risco de infeções urinárias. Nestes casos, a vigilância e o esvaziamento pontual da bexiga (com uma sonda semelhante à algália, mas que é retirada após a saída da urina) é muitas vezes suficiente.
Numa situação destas, caso a queiram algaliar e não o deseje, poderá discutir as várias opções com o seu médico. Outras complicações também relativamente frequentes são a ocorrência de náuseas, vómitos e prurido (comichão).
Em 1 em cada 100 mulheres poderão surgir cefaleias (dor de cabeça) intensas, mas que normalmente desaparecem num máximo de 7 dias.
Em casos raros, 1 em cada 10.000, poderão ocorrer lesões neurológicas (lesão dos nervos com consequente alteração da sensibilidade ou da força).
Estas poderão ser transitórias ou permanentes. Podem ainda surgir outras complicações como hematoma epidural ou, mais raramente, meningite ou infeções do sistema nervoso central (1 em cada 100.000). Poderá ainda ocorrer depressão respiratória e cardiovascular, com necessidade de outras intervenções clínicas mais invasivas.
Se realizar esta técnica, irá ser necessário a cateterização venosa e uma monitorização mais rigorosa de modo a evitar complicações e isto poderá condicionar alguma restrição da sua mobilidade, assim como a impedirá de comer e beber, por questões de segurança.
Em algumas pessoas a dose de medicamento utilizada poderá provocar alguma diminuição transitória da força e por isso será mais difícil “fazer força” na zona perineal ou até mesmo andar ou movimentar as pernas e pés.
Para o bebé:
Esta técnica praticamente não terá repercussões no seu bebé, não aumentando a incidência de nenhum tipo de complicação do recém-nascido. Não irá influenciar a sua respiração, força ou bem-estar após o parto.
Praticamente toda a medicação que é dada à mãe atravessa a placenta e passa para a circulação do bebé. Dependendo do medicamento, passará em maior ou menor percentagem. Há evidência de que pode haver alterações do ritmo cardíaco do bebé quando é realizada alguma técnica do neuro-eixo na mãe.
No entanto, estas alterações não implicam nenhum aumento das complicações no parto ou após o nascimento, nem estão relacionadas com problemas cardíacas a curto ou longo prazo. A evidência científica não demonstrou que a vitalidade, reflexos do bebé ou necessidade de reanimação após o nascimento estejam aumentados significativamente quando a mãe recebeu este tipo de analgesia durante o parto.
Se for realizar uma cesariana…
A sua cesariana poderá ser realizada sob anestesia geral ou com uma anestesia loco-regional – epidural, sequencial ou raquianestesia.
Na grande maioria das situações será e deverá ser utilizada a anestesia loco-regional uma vez que é uma técnica com muito menos complicações materno-fetais e porque permite que assista ao nascimento do seu bebé. Esta técnica terá as mesmas implicações que a analgesia loco-regional já referidas anteriormente.
Para além disso, na eventualidade de uma cesariana não programada, caso tenha efetuado uma analgesia para o seu trabalho de parto por via epidural, o cateter já introduzido poderá ser utilizado para realizar a anestesia para a sua cesariana.
A anestesia geral é reservada a casos muito raros e específicos (situações emergentes, alterações da coagulação, alterações neurológicas ou em caso de falha ou recusa da técnica loco-regional), uma vez que existe um grande risco de aspiração pulmonar, de dificuldade na intubação oro-traqueal e mais implicações materno-fetais dos fármacos utilizados.
Após a cesariana, para alívio das dores poderão ser utilizados analgésicos por via endovenosa, oral ou através do cateter epidural (caso este lhe tenha sido colocado na altura do parto).
A escolha destes fármacos irá variar de caso para caso e poderá ser ajustada individualmente de acordo com as suas queixas e particularidades. Acima de tudo, a sua escolha deve ser sua, informada e consciente de todas as vantagens e desvantagens.
Como todos os atos médicos, este é um ato com riscos que não devem ser esquecidos, mas o balanço entre os riscos e benefícios deve ser individual e o resultado de uma escolha livre e informada de cada grávida!
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