É de pequenino que se torce o pe… preconceito.
Temos lido e discutido muito, nestes dias. À luz do brutal ataque que uma criança nepalesa, de apenas 8 anos, sofreu às mãos dos seus pares numa escola em Lisboa, mas também de tantas histórias semelhantes que escancaram o nosso país como um espaço onde o racismo se reproduz, ainda, estrutural e violento.
E uma frase que nos ficou na cabeça foi precisamente aquela que defende que, em temas como este, não chega apenas não se ser racista – é necessário e indispensável ser-se anti-racista. É necessário levantarmo-nos, defender as causas em que acreditamos, saltar de cima do muro e tomar uma posição.
Não temos voz para falar sobre o racismo da forma mais direta – nunca o sofremos, e nunca o entenderemos por completo, porque somos uma família branca – mas temos espaço para a dar a quem se sente sufocado. Dá-la a quem já não consegue respirar.
Aquilo que podemos, e temo-lo como dever, é fomentar a mudança através das nossas crianças, para que as gerações futuras não precisem mais de debater temas como este, sem sentido, mas tão enraizados que se arrastam há séculos na nossa espinha dorsal.
Sabemos todos que os nossos filhos são, nestas idades, mais nossos filhos do que alguma vez serão futuramente – ou seja, absorvem exemplos, replicam discursos, assumem-se espelhos das nossas atitudes e pensamentos.
Por isso, sendo fundamental cultivar a mudança através deles, não podemos deixar para trás a importância de nos reeducarmos e policiarmos, transmitindo valores de tolerância, aceitação e igualdade, e contrariando crenças que a sociedade invariavelmente, e de forma inconsciente, nos instalou.
Como criar, então, crianças abertas, tolerantes, conscientes e anti-racistas? Temos algumas sugestões.
Nota: Chegaram-nos alguns comentários muito interessantes sobre a utilização dos termos preto vs. negro. Quando trabalhámos neste artigo conversámos com algumas pessoas racializadas que nos pediram para utilizar o termo “preto”, não só como forma de normalizar a sua utilização, mas também de anular o peso negativo que a palavra tem em Portugal.
Mais do que na forma como escolhemos fazer esta identificação, acreditamos que fazer a diferença está no tom e na intenção utilizadas. Infelizmente já todos nos teremos cruzado com comentários extremamente racistas onde a terminologia “negro” foi também indevidamente utilizada.
Assim, acabou por ser esta a nossa escolha editorial, estando, obviamente, abertos à discussão e a novas aprendizagens – sempre.
1. Educando-nos

Nada podemos ensinar aos outros senão começarmos por mergulhar de cabeça, nós mesmos, nos temas sobre os quais queremos falar. Reconhecer a nossa ignorância, estudar, ler livros de autores racializados sobre racismo, conhecer a perspectiva que como brancos nos ultrapassa – esse é o primeiro passo.
Educar-nos passa por reconhecer os nossos erros, os discursos racistas que reproduzimos sem intenção, os pequenos gestos que nos foram passados pela sociedade e que, como reflexo de defesa, ainda temos. Educar-nos passa por perceber que nem sempre os manuais de História contam a história dos dois lados, e que existe um perigo muito grande em ler os acontecimentos apenas pela perspectiva que nos toca.
Quando, por exemplo, utilizamos a palavra “denegrir” para nos referirmos à atitude de falar mal de alguém, estamos a equiparar a crítica ao ser negro – sublinhando indiretamente que nada é pior do que essa condição de ter a pele escura.
Expressões como “a fome é negra”, “a coisa está preta”, “ovelha negra da família” e “mercado negro”, para citar algumas, atribuem também elas uma conotação negativa a tudo o que é preto.
Glorificar os Descobrimentos portugueses sem analisar a fundo todo o sofrimento e massacre que eles supuseram nas ex-colónias é fechar os olhos à vergonha do nosso passado.
Termos como “monhé” ou “chinoca”, utilizados sem maldade, perpetuam, ainda assim, formas depreciativas de nos referirmos a pessoas de ascendência asiática.
A sociedade ensina-nos e molda-nos assim. Daí que o primeiro passo seja precisamente o de beber informação de fontes não convencionais. Sigam mais pessoas racializadas nas redes sociais, leiam livros sobre racismo, na nossa ou noutra língua, vejam documentários e filmes de consciência racial.
Deixamos algumas sugestões:
- Livro “O Racismo Explicado aos Meus Filhos“, de Tahar Ben Jelloun.
- Livros “Racismo no País dos Brancos Costumes” e “Racismo em Português“, de Joana Gorjão Henriques;
- Livro “Furriel não é nome de pai – Os filhos que os militares portugueses deixaram na guerra colonial“, de Catarina Gomes;
- Livro “O Estado do Racismo em Portugal: Racismo antinegro e anticiganismo no direito e nas políticas públicas”, de Silvia Rodriguez Maeso;
- Livro “Sou um Crime“, de Trevor Noah;
- Livro “Memórias da Plantação“, de Grada Kilomba;
- Livro e Filme “O Ódio que Semeias“, de Angie Thomas;
- Livro “Um Longo Caminho para a Liberdade“, de Nelson Mandela;
- Livro “Dreams of my Father“, de Barack Obama;
- Livro “Becoming – A minha História“, de Michelle Obama;
- Livro “As Minhas Estrelas Negras“, de Lilian Thuram
- Bibliografia completa de autoras como Chimamanda Ngozie Adichie, Angela Davis e Djamila Ribeiro (com especial destaque para o livro “Pequeno Manual Antirracista“);
- Mini série “When They See Us”, disponível na Netflix;
- Série “Dear White People”, disponível na Netflix;
- Filme “13th”, disponível na Netflix.
- Filme “American History X”, disponível na Netflix.
Uma última nota: ao conversar com vários pretos sobre o assunto, decidimos dirigir-nos a eles assim, da forma tida como menos politicamente correta, respeitando a sua vontade. Mais do que a palavra escolhida, aquilo que ofende é o tom com que as frases são ditas.
Muitos são os que nos dizem “eu não sou de cor, eu sou preto”. E nós respeitamos essa vontade e essa verdade utilizando e normalizando o termo, fugindo ao “negro” como politicamente correcto, e ajudando assim a espalhar a palavra.
No entanto, importa aqui também lembrar que o racismo, que associamos de forma mais óbvia ao atentado contra pessoas de pele preta, acontece também e de forma generalizada contra outros grupos étnicos, como os ciganos, ou os emigrantes que olham para Portugal como lugar de esperança e recomeço.
Nesse sentido, é importante também reforçar a existência de outras minorias que sofrem com preconceito em Portugal. Podem falar dos portugueses que são vítimas de xenofobia e preconceito em França ou em países de leste, por exemplo. É uma referência que pode ajudar as crianças a compreender melhor a injustiça. “Se o preconceito que podem ter contra ti é injusto, então contra os outros também é.”
Assim, deixamos a definição do termo racismo, retirada do Priberam, como ponto de partida para tudo aquilo que aqui partilhamos.
“racismo”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024:
1. Teoria que defende a superioridade de um grupo sobre outros, baseada num conceito de raça, preconizando, particularmente, a separação destes dentro de um país ou região (segregação racial) ou mesmo visando o extermínio de uma minoria.
2. Atitude ou comportamento sistematicamente hostil, discriminatório ou opressivo em relação a uma pessoa ou a um grupo de pessoas com base na sua origem étnica ou racial, em particular quando pertencem a uma minoria ou a uma comunidade marginalizada.
2. Educando-os

É óbvio que abobrinhas que cresçam num ambiente onde pessoas de diferentes raças e etnias são respeitadas e integradas serão adultos muito mais empáticos, respeitadores e inclusivos, porque absorvem como esponjas tudo aquilo que de bom e de mau lhes oferecemos no seu desenvolvimento emocional e cognitivo.
No entanto, não basta ensinarmos aos nossos filhos que “somos todos iguais” – não somos. Não basta dizer aos nossos filhos que não se aponta para pessoas de outra cor na rua ou que todos devemos respeitar da mesma forma.
Não basta as crianças terem amizades diferenciadas ou conviver com outras culturas. Isso torná-la-á respeitadoras e não-racistas, mas não as ajudará a ser conscientes da necessidade de mudança.
Apesar da dificuldade que também na Pumpkin tivemos em preparar esta lista, porque a visibilidade não-branca é de facto ínfima quer na literatura quer nas produções audiovisuais, cabe-nos a nós, adultos, contorná-la e desconstruí-la, para não dar espaço ao preconceito.
Filmes, séries e livros infantis sobre racismo: fizemos uma seleção de recursos que consideramos importantes para o desenvolvimento de uma sociedade inclusiva a partir das raízes, as crianças.
3. Integrando-os

É fundamental não vivermos presos à nossa bolha de privilégios. É importante que as crianças cresçam com a noção de que existem diferenças nas oportunidades, no acesso e na forma de serem avaliadas, consoante a sua cor de pele ou etnia.
Incentivem-nas a aproximarem-se das crianças racializadas na escola, por norma também aí mais marginalizadas ou obrigadas a juntarem-se num grupo de iguais. Procurem que os vossos filhos sejam inclusivos, educados, que defendam os colegas em possíveis momentos de discriminação e que se afastem de quem os perpetua.
Promovam também uma maior diversidade no vosso dia a dia, na vossa rotina e no vosso estilo de vida. Se tiverem amigos de outras etnias, peçam-lhes que cozinhem para vocês um prato típico e vos contem histórias da sua cultura. Visitem restaurantes étnicos, conheçam costumes diferentes, conversem com pessoas com identidades baseadas em conceitos muito além dos que damos como adquiridos (e, por vezes, inquestionáveis).
Podemos simplificar até a um nível mais óbvio: ofereçam-lhes nenucos com uma cor de pele diferente da vossa. Forcem a representividade que pouco existe. Vejam desenhos animados diferentes. Fujam dos estereótipos.
4. Sendo honestos

As crianças não nascem racistas, mas também não são indiferentes às diferenças que, de facto, existem. Não falar sobre elas permite que as abobrinhas criem as suas próprias conclusões – o que é muito perigoso.
Não há uma idade certa para falar sobre racismo. Quanto mais cedo melhor. Reconheçam as diferenças, explicando-as de forma simples e assertiva: tal como uns somos altos e outros baixos, uns temos olhos verdes e outros castanhos, uns temos a pele mais clara e outros a pele mais escura. Não são as características físicas que nos definem. É o carácter. Aquilo em que acreditamos, aquilo que fazemos pelos outros, aquilo que nos guia. Sejam modelos, exemplos a seguir. Reconheçam os vossos erros.
E podemos apostar que, em casa, terão crianças que vão crescer com a igualdade como valor.
Links relacionados
- Como criar crianças inclusivas: filmes e livros infantis sobre racismo
- Como educar meninas e meninos pela igualdade de género?
- Barbie Fashionistas: uma ode à diversidade!
um livro engraçado para os mais novos é o “Somos Todos Diferentes” da Emma Damon.
Obrigada pela recomendação, Sofia!
Vamos acrescentar à nossa listinha 🙂
Saudações abobrinhas!