Os medos fazem bem às crianças… e aos pais!
Eduardo Sá é psicólogo clínico, psicanalista, professor e escritor – e uma voz poderosa na quebra de tantas ideias pré-concebidas sobre felicidade, famílias, educação e amor. Partilhamos um texto seu sobre os medos, e o quanto eles são importantes para a nossa sobrevivência.
Quem, no seu bom senso, tem medo de bruxas, duendes ou de uma boneca assassina? Ninguém, claro. A não ser que seja uma criança.
Quem, por mais que haja um arrepio que lhe atravesse o coração, tem medo do escuro e evita ir de um lado ao outro da casa para fugir do medo? Ninguém. A não ser, claro, que seja uma criança.
Quem é que chora e desaba e, de alarme em alarme, reage aos medos “como se fosse morrer”? Ninguém. A não ser que seja uma criança!
Não é por mal, mas a forma como todos lidamos com os medos das crianças talvez queira dizer que, ainda hoje, não teremos uma ideia muito precisa acerca da função que eles têm no seu crescimento.
Doutra forma, porque é que ficaríamos aflitos (como ficamos) de cada vez que elas estão muito assustadas ou têm medo? Ou porque é que haveríamos de reagir como se os seus medos só pudessem fazer-lhes mal ou fossem maus?
Mas, afinal para que é que servem os medos das crianças?… E poderemos nós, os pais, guardá-las deles?
A verdade é que, à medida que ficamos mais velhos, nos tornamos mais medrosos e mais medricas. Mais medrosos porque o medo é, também, uma questão de sabedoria. E os vários acontecimentos de vida, e a própria experiência, nos levam a configurar os perigos com outro pormenor.
E mais medricas porque, ao contrário da “aura” poderosa que os nossos filhos nos parecem atribuir, sempre que se trata de lhes resolvermos os seus, aos nossos medos juntam-se os medos das pessoas que vivem connosco e, por mais que nada pareça “contagioso”, os medos dos outros “colam-se” aos nossos e, devagarinho, acabamos a fugir de todos esses medos duma forma muito parecida com aquela com que as crianças fogem dos seus.
Lidássemos com os nossos de maneira diferente e reagiríamos aos medos dos nossos filhos de forma, inequivocamente, mais segura.
É claro que tudo se complica quando as pessoas medrosas, medricas e inseguras, diante dos seus medos – nós… -, são as mesmas pessoas a quem os nossos filhos confiam os seus, para que se sintam mais protegidos, diante deles.
E são as mesmas pessoas de quem eles esperam coragem para “espantar” os seus medos porque, para os nossos filhos, os medos nunca parecem ser grandes a ponto de nós não os conseguirmos resolver a todos como se isso fosse uma “brincadeira de crianças”.
E, vistos da sua pequenez, parecem nunca ser enormes o suficiente de forma a tornarem-se maiores e mais assustadores do que os pais conseguem ser quando põem um olhar terrífico ou têm um “ataque de raiva”. Em resumo, estamos nós, por um lado, a varrer os nossos medos para “debaixo do tapete”.
E, por outro, os nossos filhos a costurar a convicção de que, diante dos seus, seremos capazes de “tratar por tu” todos os medos.
Ou, por outras palavras, de “metermos medo” ao medo. Como nem sempre as duas coisas combinam bem, os nossos: “Não tenhas medo…” não só pretendem sossegá-los ou distraí-los de tudo aquilo que lhes mete medo como, também, serve quase para lhes “recomendar” que os nossos medos “agradeciam” se alguns dos seus não ficassem “à solta”.
E, no entanto, os medos fazem bem às crianças!
Em primeiro lugar, porque não há como não se ter medo. Porque as crianças são tão sensíveis e tão intuitivas, e têm um “equipamento de base” tão sofisticado e tão acutilante que um simples esgar, um olhar que não coincida com aquilo que se diz, alguma maldade que sintam numa expressão de rosto ou num gesto, uma “fúria de pais”, uma atitude sofrida, etc. são registados por elas “em tempo real”, levando-as a sentirem ”O mal”.
“O mal” resulta de situações que as assustam e que as magoam e que as deixam entristecidas ou “contaminadas” por sentimentos, às vezes, mais feios e piores do que os daquelas pessoas que as levaram a senti-los.
“O mal” acaba por ser uma espécie de “guarda-chuva” debaixo do qual se agrupam, se acumulam e se emaranham todos os episódios que tenham a ver com as maldades que a vida lhes traz.
Por mais que as queiramos proteger, os medos só existem porque as crianças convivem com a dor e com as maldades.
É claro que é mais fácil, para elas, terem muito mais medo duma personagem dos desenhos animados que personifique ou “encarne” aquilo que as abala do que da pessoa da sua família que lhe provoca esse medo mais vezes.
E é mais fácil alarmarem-se com uma história que lhes traga todas as coisas que as assustam do que falarem dos seus medos, um a um, ou terem o discernimento de descrever cada uma das situações em que os sentiram.
Seja como for, um medo representa muitas pequenas maldades acumuladas das quais se pretende sempre fugir, porque “arranham” no coração.
Ainda assim, os medos nunca são estúpidos (porque representam um “novelo” de coisas que as assustam, e que fazem tantos nós umas nas outras que, quando se fala deles, parecem um filme fantástico, impossível de ser uma experiência vivida) nem se fala deles, facilmente (porque um medo declarado serve como um “biombo” atrás do qual se esconde um “comboio” de outros medos que é preciso ir “descascando” aos bocadinhos).
Por mais que façam bem às crianças, os pais imaginam que os medos são maus! Porque eles as assustam e as limitam, por exemplo.
Talvez por isso, eles imaginam que a primeira função de todos os pais passe por espantar os medos para bem longe das crianças.
Nem que o façam com qualquer um dos seus: “Porque é que tens medo?”. Mesmo que isso queira dizer: “Eu não só não percebo os teus medos como estou “às escuras” quando se trata de tos resolver”. Em vez disso, os pais guardam as crianças dos medos quando lhos encenam.
Quando lhes dão histórias com algumas personagens más, que as levem a arrepiarem-se ou a assustar-se com elas. Quando dão um rosto, uma forma e um nome aos medos que, até aí, existiam sem rosto e sem nome e, por isso mesmo, não deixavam de as assustar muito mais!
E quando percebem que crianças mais protegidas e mais sossegadinhas são crianças medricas. Porque encenam muito menos um enredo para os seus medos, o que as leva a ser menos corajosas e mais assustadiças.
Porque passam a ter medo do medo! Porque não “limpam” as pequenas maldades de tudo aquilo que têm de bom, dentro se si. E porque não juntam todas as coisas más que sentem numa ou noutras personagens com as quais lutam, que tentam vencer ou, mesmo, “matar”.
É a forma como as crianças lidam com os medos que as “liberta” deles. São as histórias com arrepios que tornam as crianças mais corajosas e mais fortes.
As crianças precisam dos medos mas precisam de quem as ajude a compreendê-los. De entre todos os seus medos, o que é que, então, mais as assusta? Sentirem medos que não configuram. Sentirem os pais com medo dos seus medos.
Sentirem o mal e só poderem fugir dele. E sentirem que não se podem assustar, se bem que sem isso nunca aprendam a conviver com o medo e a vencê-lo.
Quem, no seu bom senso, não tem medo de bruxas, de duendes ou do escuro mas, ainda assim, tendo medos, foge deles? Os pais. Assustados com os medos das crianças. Claro.
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