Em Portugal, 1 em cada 3 crianças vive com excesso de peso ou obesidade infantil. Porque é que isto acontece, quais os impactos na saúde e como podemos evitá-los?
A obesidade infantil e a obesidade na adolescência são hoje em dia consideradas doenças crónicas e, pela sua elevada predominância, encaradas como uma verdadeira epidemia.
Em Portugal, uma em cada três crianças (29,6%) dos 6 aos 9 anos tem excesso de peso e 12% sofrem de obesidade, continuando esta a ser a doença mais prevalente na infância e um importante problema de saúde pública.
Quais são, afinal, as causas da obesidade infantil e da obesidade na adolescência e como podemos combatê-las?
Neste artigo, explicamos o que é e quais os riscos da obesidade na infância, e contamos com a ajuda de dois especialistas da área para aprofundar o assunto. O Pediatra Hugo Rodrigues partilha connosco alguns factos e causas sobre os quais vale a pena pensar. Já Délfia Lopes, da Mun-Si, explica-nos o que podem os pais fazer para combater a obesidade infantil, fala sobre o estigma associado à doença, que afeta as crianças a outros níveis, e partilha algumas sugestões de leitura.
O que é e quais os riscos da Obesidade Infantil?

A obesidade é uma doença crónica caracterizada pela acumulação excessiva de gordura corporal, afetando a saúde física e mental de quem dela sofre.
Mesmo durante a infância, esta doença provoca várias complicações graves e perigosas, tais como o aumento do colesterol e dos triglicéridos, a hipertensão arterial e a intolerância à glicose (que pode evoluir para diabetes tipo 2), colocando as crianças numa situação de risco cardiovascular e/ou morte prematura.
A obesidade também provoca nos mais novos problemas em dormir, problemas ortopédicos a e ainda de saúde mental, derivados da relação com o corpo e com os outros.
Mas quais são realmente as causas desta “epidemia do século XXI”?
Causas da Obesidade Infantil
Não existe propriamente uma causa isolada para a obesidade infantil, uma vez que se trata de uma situação multifactorial, ou seja, na qual intervêm diferentes fatores.
No entanto, podemos organizar os fatores que tem um potencial impato para causar obesidade infantil em várias categorias:
Causas Genéticas
Já estão identificados alguns genes que predispõem à obesidade, muitos deles relacionados com os mecanismos da fome e saciedade. No entanto, é extremamente rara a obesidade apenas de causa genética.
Causas Metabólicas
Os desequilíbrios hormonais podem predispor à obesidade através de uma desregulação no gasto energético, pelo que é importante sempre fazer uma adequada avaliação de cada caso.
Causas Ambientais

Estes são, provavelmente, os maiores responsáveis pelo aumento exponencial de casos de excesso de peso e obesidade na adolescência e na infância.
Para regularmos o nosso peso devemos pensar numa balança, em que num dos lados está o que se consome e no outro o que se gasta. Assim, é fácil entender que se não houver cuidados alimentares e se consumir mais energia do que se deve, o risco de excesso de peso dispara.
Por outro lado, se não houver um adequado gasto energético (um problema bem presente no nosso país, com os níveis de sedentarismo e inactividade bem elevados), o risco de aumento de peso é ainda maior. Por esse motivo, é fundamental que as nossas crianças comam bem e sejam activas, para poder equilibrar estes dois aspectos.
Depois de perceber estas causas, é fácil identificar inúmeros factores de risco para a obesidade na adolescência e na infância. No entanto, é de salientar alguns que possivelmente são menos conhecidos, mas que são igualmente bastante importantes:
Obesidade nos primeiros meses de vida
O cruzamento “ascendente” do percentil de peso nos primeiros meses de vida é um possível marcador de obesidade, pelo que é algo que se deve ter em atenção.
Geralmente as famílias até ficam contentes quando isso acontece, mas é algo que deve ser avaliado e vigiado com prudência.
Obesidade até 3 anos – excesso de consumo de proteínas
Apesar de não ser um nutriente classicamente associado à obesidade, as proteínas são um importante regulador do metabolismo, ou seja, da forma como as nossas células aprendem a utilizar a energia.
Por esse motivo, está actualmente bem estabelecido que o excesso de proteínas nos primeiros meses/anos de vida é um factor de risco para obesidade infantil, pelo que é muito importante ter atenção aos excessos (as crianças portuguesas até aos 3 anos comem 4 vezes mais proteínas do que deviam).
Ressalto adipocitário: aumento de peso entre os 5 e os 7 anos
Este nome estranho diz respeito a um fenómeno que acontece entre os 5 e os 7 anos (mais cedo ligeiramente nas meninas do que nos meninos) e que descreve o aumento no índice de massa corporal que ocorre nestas idades.
De uma forma simples, podemos entender este período como uma espécie de “preparação” do organismo para a fase seguinte que vai ser a puberdade. Se uma criança tem este ressalto adipocitário precocemente ou com níveis muito elevados, a probabilidade de sofrer de obesidade na idade adulta é muito mais elevada.
Causas da Obesidade na adolescência
Existem vários comportamentos inadequados que podem resultar em sintomas de obesidade na adolescência.
Nesta fase do crescimento, o corpo muda significativamente e, por esse motivo, esta acaba por ser uma altura também “crítica”.
O apetite aumenta exponencialmente, pelo que é fundamental haver uma escolha adequada do que se come (quantidade e qualidade) e ter uma atividade física correspondente ao que se ingere, o que nem sempre acontece.
Vistas as causas, como se resolvem as situações de obesidade na adolescência e na infância?
Como diagnosticar e tratar a obesidade na infância?
Quando as crianças apresentam sintomas de excesso de peso ou obesidade, é essencial serem vistas pelo pediatra ou médico assistente. Aliás, a maioria dos casos são diagnosticados nas consultas de acompanhamento regular.
Uma das formas de fazer este controlo em casa (não dispensando o acompanhamento médico) é através do cálculo do Índice de Massa Corporal, através dos dados de idade, peso, altura e sexo da criança. Pode fazê-lo online, por exemplo, através desta calculadora do site Tua Saúde.
Em situações de obesidade infantil diagnosticada, a criança deverá passar por um processo personalizado, com apoio de uma equipa multidisciplinar (médico de família, nutricionista, psicólogo). Este envolverá práticas de reeducação alimentar e de introdução da dose adequada de exercício físico.
Em alguns casos, mais raros, poderá ser necessário recorrer ao tratamento com medicamentos ou mesmo a cirurgias.
Como prevenir a obesidade infantil?

O ambiente familiar tem uma grande influência no estado nutricional da criança, já que tem um grande impacto no desenvolvimento de comportamentos alimentares saudáveis e de atividade física.
É importante salientar que, os responsáveis pela criança é que determinam as opções disponíveis, portanto é importante garantir que essas escolhas alimentares e essas opções sejam as mais saudáveis. Além disso, devem modelar esse comportamento (saudável) é realmente decisivo.
Estudos que evidenciam o aumento da prevalência de obesidade parental durante o período de confinamento, consideram que agrava o ambiente obesogénico em que as crianças se desenvolvem, já que uma criança de pais obesos tem mais probabilidade de desenvolver obesidade e de se tornar também um adulto obeso.
Torna-se assim importante evitar a criação de um promotor de obesidade (ambiente obesogénicos) em casa e incentivar a adesão a um estilo de vida saudável.
Atente a estes pequenos passos para combater a obesidade infantil. Não dispense a consulta de um médico especializado, que poderá ajudar a sua criança da melhor forma.
1. Concentre-se na saúde, e não no peso
Ensine e modele atitudes saudáveis e positivas em relação à alimentação e atividade física sem enfatizar o peso corporal.
2. Procure envolver toda a família
Não separe crianças com excesso de peso. Envolver toda a família e trabalhar para mudar gradualmente hábitos alimentares e de atividade física da família. Sempre que possível, partilhem as refeições em família e sem distrações, como televisão ligada.
3. Ofereça opções saudáveis
Disponibilize uma grande variedade de alimentos saudáveis com base na Roda Alimentar Mediterrânea. Esta inclui grãos integrais, frutas, vegetais, legumes, nozes, ervas, especiarias e azeite. No que diz respeito a proteína, ovos, peixes ricos em ômega-3, como salmão, sardinha e atum, e carnes magras, como frango ou peru.
Evite ter em casa bebidas/alimentos altamente açucarados, com baixa qualidade nutricional e alto teor de gorduras saturadas.
4. Incentive a exploração alimentar
Incentive as crianças a experimentarem uma variedade de alimentos saudáveis, como vegetais; lembre-se que podem ser necessárias várias tentativas para as crianças aceitarem um novo alimento
5. Promova uma rotina saudável
Inclua melhores escolhas alimentares, a prática de exercício físico, diminuição de comportamentos sedentários, como a redução das horas passadas a ver televisão ou no computador, e horas de sono adequadas à faixa etária. As crianças devem aprender estas rotinas cedo, pois só assim manterão esses hábitos na idade adulta.
Obesidade infantil: impacto na saúde mental

O preconceito de peso, o estigma e a discriminação são temas comuns e que causam danos significativos, principalmente em crianças. A narrativa generalizada que atribui a causa da obesidade principalmente à responsabilidade pessoal reforça muitos estereótipos.
Este estigma faz com que as pessoas com sobrepeso ou obesidade internalizem a sua experiência, contrariando a perda de peso.
Como podemos combater este efeito?
A comunicação é a chave, devendo ser positiva e respeitadora, de maneira a criar um ambiente seguro, levando a criança a sentir-se motivada e aberta a mudanças e não ameaçada pelo preconceito do peso. Deve incentivar o autoconhecimento e a estimulação do valor pessoal qualquer que seja o valor do seu peso.
Neste acompanhamento psicológico estão envolvidos os educadores, os pais e a comunidade onde a criança está inserida. A educação e a sensibilização para o combate ao bullying poderá ser potenciada através de palestras, programas sociais e espaços de debate. Estes tipos de ação iram participar no combate ao estigma e preconceito e contribuir para a manutenção da vida saudável, ao nível físico e psicológico, de toda a população.
Recomendações de livros sobre obesidade infantil
A Mun-Si recomenda alguns livros para pais e filhos que desejam aprender mais sobre esta questão.
“Mamã, o que é obesidade?”

“O objetivo deste livro é inspirar e apoiar mães, pais ou outros cuidadores que procuram uma ferramenta para iniciar conversas importantes em família sobre este tema, sem tabus ou preconceitos e baseadas no conhecimento científico mais atualizado, de forma simples e adequada a qualquer idade.”
Desenvolvido com o apoio da APCOI (Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil) e publicado em 2024.
Ao comprar este livro estará a contribuir com um donativo para organizações não governamentais contra a obesidade, em 30 países europeus.
“O teu corpo é teu”

“Como todos os meninos e meninas, tu tens um corpo.
Este livro vai ajudar-te a saberes um pouco mais sobre ele.
O teu corpo é teu, e ninguém lhe pode tocar se tu não quiseres.
Um livro que não vai deixar ninguém indiferente.”
Com uma escrita fácil, “O teu corpo é teu”, de Lúcia Serrano, é sobre o respeito pelos outros e por nós mesmos, assim como sobre a importância de dizer que não quando alguém nos faz sentir desconfortáveis. Finalista do Prémio Livro do Ano Bertrand 2023 – Infantil.
“Obesidade Infantil: Prevenir é a melhor opção”

A obesidade tem que ser prevenida desde a infância. A leitura deste livro é, por isso, educativa, não só para os enfermeiros mas para todos aqueles que acompanham crianças no seu desenvolvimento.
– Alexandre Castro Caldas, médico, Professor Catedrático e Diretor do Instituto de Ciências da Saúde (ICS) da UCP
“Neste livro, a autora Margarida Lourenço desafia, de forma eloquente, as gerações atuais e futuras para a saúde individual, comunitária e da população em geral, através da apresentação de um Modelo de Intervenção na Prevenção da Obesidade Infantil, onde congrega domínios de intervenção a nível familiar, educativo e de saúde.”
– Beatriz Araújo, Professora Associada Convidada do ICS
Caso verifique sinais de obesidade infantil ou obesidade na adolescência na sua abobrinha, não hesite marcar consulta com o pediatra para averiguar as particularidades do caso e a melhor forma de proceder.
Acompanhe as páginas do Pediatra Hugo Rodrigues e da Mun-Si para mais informações úteis sobre saúde e alimentação na infância.
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