Estar triste é um direito. Um direito tão natural e tão desejável como estar alegre.
Há muito gente que desejaria que vivêssemos num mundo de “patetas alegres”, onde as pessoas andassem sempre de sorriso rasgado de orelha a orelha, a dizer larachas e graças de terceira categoria, mesmo que não lhes apetecesse, mesmo que essa expressão fosse contra os seus sentimentos.
E porquê? Porquê estar sempre “alegre”? Com medo da depressão, é? Como se alegria fosse sinónimo de felicidade ou condição para se atingir esta última, ou como se a tristeza desembocasse sempre na depressão ou no suicídio.
Estar triste é um direito. Um direito tão natural e tão desejável como estar alegre. Os sentimentos são isso mesmo – sentir. E sentir é ver o mundo e os outros umas vezes de um modo mais optimista, outras mais pessimista, umas vezes de forma mais positiva, outras menos. Estar triste é muitas vezes estar. Simplesmente estar. Sem se saber porquê e sem se querer saber porquê… até porque muitos sentimentos não se explicam, apenas existem enquanto tal.
A confusão entre alegria e felicidade
Toda, ou pelo menos quase toda a gente deseja a felicidade. Para si e para os outros. Só nos ficam bem esses sentimentos. No entanto, não podemos cair no erro de confundir felicidade com alegria. Pode ser-se extremamente feliz estando triste. Mais, há muitas ocasiões em que nos sentimos bastante melhor com nós próprios e com os outros estando tristes. Por vezes muito tristes. E uma coisa é a tristeza e outra a infelicidade ou a depressão, essas sim, a evitar a todo o custo.
Tristeza e alegria pertencem à escala de sentimentos e de estados de alma, não havendo propriamente uma divisão radical entre ambas. Quantas vezes a maior das alegrias não é tão grande que roça a tristeza, tantas as vezes a tristeza se insinua nas nossas almas tornando-se bem-estar e tranquilidade. Tudo depende das alturas, dos momentos, das razões. O humor é isso mesmo. A vida é isso mesmo.
Tristeza como alavanca da criatividade
É bem sabido que os grandes criativos, no domínio da literatura, das artes, da ciência, tiveram e têm as suas fases de maior produtividade nos dias em que se sentiam ou sentem tristes. Muito mais, seguramente, do que quando andavam bem-dispostos – a tristeza traz consigo a reflexão, a interiorização, o estar-se tranquilamente consigo próprio. A alegria é mais expansiva, mais comunicativa, mas também mais partilhada, menos pessoal. Estar triste é algo de bom, de “gostoso”, um estado de alma que saboreamos a cada momento, devagarinho, com prazer, como um momento nosso e só nosso, enigmático, ao qual os outros não têm acesso.
Enquanto a alegria e o bem-estar são endorfínicos, ou seja, convidam ao gozar o momento e ao “não mexer uma palha” (pois se tudo está bem…), a tristeza e adrenalínica, motivando inconformismo e acção.
A alternância de estados de espírito
Não será desejável estar sempre triste. A tristeza temperada com a alegria (e também, embora menos, com situações de perfeita “neutralidade” de sentimentos) constrói o equilíbrio interno e externo de que tanto precisamos e que nos permite gerir de forma adequada a adversidade e o stresse, bem como os estímulos positivos e o contentamento. Uma boa balança é a que pode pender para um lado ou para o outro e não apenas a que se verga para a esquerda ou para a direita.
Alternar os estados de espírito é, assim, fundamental. Há que reconhecer esse direito como um dos direitos fundamentais da pessoa. Poderá corresponder à maior boa vontade dos outros tentarem animar-nos e consolar-nos – é o seu papel -, mas terão que compreender que às vezes apetece-nos estar tristes e que forçar a alegria só nos irá provocar sofrimento e desconforto. Repito, não somos patetas alegres, para andar sempre com um sorriso debaixo do braço ou escondido no bolso.
A tristeza e as crianças e adolescentes
As crianças e os adolescentes são pessoas que sabem melhor do que ninguém modelar estes estados de alma e aprender a sua gestão é um importante factor de crescimento, responsabilização, conhecimento do “eu” e também de criatividade. Quantos de vós não terão escrito poemas ou ensaios, geralmente como resposta à mais profunda das tristezas? Ou pintado quadros e telas, feito desenhos ou esboçado esculturas… ou tão simplesmente passeado num dia de chuva, ou ao sol da Primavera junto a um riacho, através de um bosque, de uma avenida, ou simplesmente deitados em cima da cama deixando-nos embalar por uma infinita tristeza de que gostamos e que nos conforta, que nos acaricia da mesma maneira que as mãos da mãe ou as palavras generosas de um amigo? Quantos de nós não nos conhecemos melhor por termos tido esses momentos?
É claro que não é bom a depressão. Mas depressão e tristeza são coisas diferentes. Num vasto estudo que efectuámos recentemente, 25% das raparigas e 14% dos rapazes do 9º ano da escolaridade referiam estar tristes, (diferença esta entre os sexos que era altamente significativa) – e nem todos estavam (felizmente!) deprimidos ou à beira do suicídio. Estar triste é vulgar, normal e desejável. Tão vulgar, normal e desejável como estar alegre. A vida não tem apenas uma faceta e a complementariedade dos diversos matizes de sentimentos é que nos faz e refaz a cada momento. Estar triste é assim um direito sagrado!
Pais, professores, adultos: deixem as crianças e os adolescentes estar tristes. Tentem obviamente detectar sinais de depressão, situação em que urge intervir pois da qual é mais difícil sair e que, ao contrário da tristeza, é paralisante pode conduzir à inércia e à auto-destruição. Estejam atentos a isso, mas se não for o caso, deixem os vossos filhos, alunos e conhecidos estar por vezes tristes. Respeitem esse sentimento. Não tem nada a ver com estar zangado, ser-se malcriado ou andar de cara “amarrada”.
Se estar triste não fosse tão bom, o maior júbilo não nos deixaria um travo tão saboroso de nostalgia, não é? Quem nunca chorou de alegria?
Mário Cordeiro, doutorado em pediatria, foi professor de Saúde Pública na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa e membro da Sociedade Portuguesa de Pediatria e da British Association for Community Child Health. É membro e consultor de diversas organizações de pais e familiares de crianças com doença crónica.
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