Qual o papel das mães e dos pais na visibilidade e no reconhecimento dos direitos das crianças e jovens trans no contexto escolar?
No passado dia 31 de março celebrou-se o Dia Internacional da Visibilidade Trans. Este é um dia de reconhecimento e de celebração! E igualmente de reflexão sobre crianças e jovens trans.
Quantas pessoas trans conhecemos? Com quantas pessoas trans nos cruzamos na rua, no café, no supermercado, na cabeleireira, nos convívios ou nas oficinas? Quantas séries com pessoas trans já vimos? Com quantas pessoas trans já partilhámos sorrisos, abraços, histórias ou ajuda?
E esta reflexão leva-nos ao lugar (demasiado) comum (para pessoas trans) da invisibilidade. Das ausências. Dos silêncios. Da desesperança.
Que exemplos trans tem o meu filho? Que modelos trans tem a minha filha? As mães e os pais costumam desejar tanto que os/as filhos/as tenham sucesso e que alcancem os seus objetivos. E gostam de contar as histórias dos/as seus/as ídolos/as da adolescência, com um sorriso meio envergonhado mas com um brilho nos olhos. Lembrando-se da esperança. Do sonho. De poder, quiçá um dia, ser como ele/a. Talvez hoje se riam, achem tolo. Mas isso não apaga memórias de uma juventude sonhadora.
É disto que as mães e os pais privam os/as seus/suas filhos/as trans quando não reconhecem nem celebram pessoas e cultura trans. Quando não incluem a vivência trans nas histórias e nas conversas ao jantar. É (também) sobre isto o dia da visibilidade trans.
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Reconhecer e celebrar passa também por dar visibilidade a crianças e jovens trans. Na rua, no café, no supermercado, nos convívios e nas oficinas. Em casa e na escola. Aceitando, validando, celebrando. Ajudando e permitindo.
O contexto escolar é desafiante, exigente e nem sempre próximo das famílias. Daí a importância das mães e dos pais serem conhecedores/as dos direitos das crianças e jovens trans. De forma a facilitar a compreensão desses direitos, seguem-se algumas perguntas e respostas:
– Há alguma legislação que deva conhecer acerca deste assunto?
Há vários documentos que devem ser considerados. Para começar, o Estatuto do Aluno e Ética Escolar (Lei 51/2012 de 5 de setembro) garante a não-discriminação de pessoas com base em sexo, orientação sexual e identidade de género. Adicionalmente, a Lei 38/2018 de 7 de agosto (Direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa) juntamente com o Despacho 7247/2019 de 16 de agosto (Estabelece as medidas administrativas para implementação do previsto no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto) explicitam esses direitos.
– De que falamos especificamente?
Em primeiro lugar, da utilização do nome social. Todas as crianças e jovens podem utilizar o nome social independentemente de estar alterado ou não no registo civil. A utilização do nome social é extremamente importante porque permite que a criança ou jovem se apresentem ao mundo como são, contribuindo para o seu bem-estar. Sabe-se inclusivamente que a utilização do nome social (em vez no nome presente no registo antes da mudança) está mesmo associado à redução de sintomatologia depressiva, ideação suicida e comportamentos suicidários em jovens trans. Esse despacho prevê também que esse nome social seja tanto utilizado verbalmente como nos documentos administrativos oficiais. E isso inclui pautas, lista de alunos/as, avaliação, entre outras. Há ainda a consideração do nome social também em todas as atividades escolares e extraescolares.
– E o uso desse nome social acontece mediante o pedido da criança ou jovem?
O uso do nome social oficialmente só pode ser feito de acordo com a vontade expressa das mães e dos pais, encarregados/as de educação ou representantes legais da criança ou jovem menor de idade.
– E além do nome social, que outro aspeto deve ser considerado?
Além da utilização do nome social, também as atividades, roupas e casas de banho são consideradas. As escolas (tanto públicas como privadas) têm de garantir que o género da criança ou jovem é levado em consideração na realização de atividades diferenciadas por género (como Educação Física). Também as roupas devem ser respeitadas bem como a utilização das casas de banho e balneários (com o género com que se identifica).
– Esse despacho não foi aquele que foi anulado?
Este despacho surgiu na sequência da Lei 38/2018 (clarificando as práticas e medidas a adotar de forma a garantir os direitos). O que aconteceu com este despacho é que o Acórdão 474/2021 do Tribunal Constitucional declarou inconstitucionalidade de 2 números do artigo 12º que abordavam as responsabilidades do sistema de ensino e as medidas a aplicar no mesmo. Com isto, este Despacho ficou sem efeito. Mas já foram submetidas algumas alterações a esta lei por alguns partidos, de forma a colmatar esta questão. Não posso deixar de referir que mesmo não estando em vigor as medidas especificas a implementar nos estabelecimentos de ensino, estes continuam a ser explicitamente obrigados a garantir o bem-estar e a não-discriminação de jovens com base na sua identidade de género, implementando as medidas necessárias para tal (possivelmente algumas mencionadas nesse despacho).
– Então que devo eu, mãe/pai, fazer?
Ser agente ativo e promotor de um crescimento e desenvolvimento saudável de qualquer criança/jovem (seja nosso/a filho/s ou não) é, em bom rigor, algo inquestionável que não deveria depender de legislação para ser considerado, praticado, implementado. Crianças e jovens trans precisam de apoio para verem cumpridos os seus direitos, liberdades e garantias. E deve ser esse o foco das mães e dos pais: garantir que o seu/a filho/a trans se sente bem e é feliz. E a ligação com a escola deve ser sempre de aproximação e não de conflito. Afinal estamos todos/as para o mesmo, certo? Permitir e facilitar vidas felizes.
– Onde posso encontrar mais informação?
A AMPLOSIG (Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género) é uma associação que trabalha exatamente com estas mães e pais. Têm reuniões de partilha e interajuda. Têm também um Guia para famílias de pessoas trans* . Também a rede ex aequo – associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais, trans, intersexo e apoiantes lançaram recentemente um Guia sobre Saúde e Leis Trans em Portugal: Recursos e procedimentos. É um livrinho bem curtinho, atualizado e bastante pertinente.
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