Será que os amigos imaginários são uma ameaça para as nossas abobrinhas?
Inês Afonso Marques, Psicóloga Clínica e Coordenadora da área infantojuvenil da Oficina de Psicologia, partilha connosco este texto sobre os Amigos Imaginários das nossas abobrinhas. De onde vêm eles? Temos motivos para nos preocuparmos?
Não fui eu… Foi o ursinho que molhou o chão!
Hoje a Dina vem jantar connosco. Quem é a Dina? Uma amiga da minha cabeça!
Com a emergência do pensamento simbólico, por volta dos 24 meses, começam a surgir no quotidiano dos pequenotes, algumas brincadeiras faz de conta (a banana que é o telefone, o prato que faz de volante, a bola que é a maçã…).
Nas brincadeiras faz de conta começam também interações com os peluches e bonecos/as como se estes tivessem vida. Algumas crianças, na sequência desta fase da emergência do pensamento simbólico, por volta dos três anos começam a relatar o aparecimento de amigos imaginários – pessoas, animais, objetos ou criaturas fantasiadas que ganham vida, sem estarem verdadeiramente presentes, acompanhando a criança em rotinas do dia a dia e em momentos especiais, todos os dias ou apenas nalguns dias.
Ao contrário do que às vezes se pensa, o surgimento de amigos imaginários na vida de uma criança nada tem de errado. Ele são sinal de um desenvolvimento normativo e de um potencial criativo elevado.
Surgem habitualmente em crianças que tiveram oportunidade para os criar, nomeadamente espaços/momentos de brincadeira não estruturada. Os amigos imaginários não surgem na sequência de desvios no desenvolvimento, nem são típicos de crianças filhas únicas que se sentem sós ou tristes, como por vezes se ouve dizer.
Não sendo sinal de nenhum problema, os amigos imaginários surgem muitas vezes como uma resposta de conforto quando as crianças vivem algum problema, algum momento desafiante ou desagradável. Os amigos imaginários surgem como uma ajuda para as crianças lidarem com os seus medos, explorarem novas ideias, regular emoções, etc… E “culpá-los” dos seus disparates. “Foi ele que desarrumou tudo…”
As personagens de BD Calvin & Hobbes expressam a relação saudável e rica que pode acontecer entre uma criança e um amigo imaginário (embora neste caso seja o seu tigre de brincar que ganha contornos de amigo imaginário).
A criança cresce e os seus amigos imaginários deixam naturalmente, sem qualquer esforço para os eliminar, de estar presentes. Não há uma idade “certa” para eles deixarem de existir, embora eles sejam mais frequentes na idade pré-escolar, é comum encontrar crianças pequenas, já em idade escolar, com 7-8 anos, que ainda partilham aventuras com os seus amigos imaginários.
Numa fase em que os amigos imaginários já não estão lá, há muitas crianças que relatam recordar ter tido essas “pessoas” especiais numa altura da sua vida, lembrando com clareza alguns episódios… “Ia no carro de férias, connosco.” Mas também há pessoas que se mostram admiradas quando os pais falam desse período, pois não têm essa memória. Ambas as situações são perfeitamente normativas.
As crianças costumam estabelecer relações com os seus amigos imaginários muito semelhantes à que estabeleceriam com ele se fosse real, conversando, cuidando, preocupando-se com ele, com afeto. Surge uma relação semelhante a uma relação com um amigo ou um parente. Nesse sentido, nalguns casos, pode ser uma relação semelhante à de dois irmãos.
Os amigos imaginários podem ser entendidos como algo positivo na medida em que a criança tem oportunidade de se expressar, de desenvolver a sua imaginação e ensaiar algumas situações e respostas às mesmas. “Ele desarrumou os brinquedos e agora está a fazer birra e não quer arrumar.” “Ela parece triste, vou deixar aqui esta bolacha para ela ficar contente.”
As crianças que têm amigos imaginários estabelecem relações sociais bastante positivas. Um amigo imaginário em nada prejudica as amizades de carne e osso. Pelo contrário, crianças com amigos imaginários têm oportunidades de em “contextos” protegidos (os imaginários) ensaiar comportamentos que depois poderão generalizar para a vida real. Ao ensaiar a resolução de um conflito com um amigo imaginário a criança parte para um conflito com um amiguinho na vida real com algum treino prévio.
Sendo uma expressão saudável do crescimento de uma criança, não havendo sinais de alerta noutras áreas da vida da criança, os pais não têm motivo para se preocupar, podem relaxar. E apreciar esta expressão mágica do imaginário da criança.
Inclusivamente, podem “usar” os amigos imaginários como uma porta de entrada para o mundo interior do filho, tendo mais uma meio para explorar e conhecer os medos, interesses, visões, emoções dominantes e pensamentos do filho… Não há qualquer benefício em reprimir os amigos imaginários. Pelo contrário, pois a ideia não é que a criança se sinta estranha na forma de sentir e pensar ou com vergonha. Podem em muitas situações alinhar na brincadeira. “Como se sente hoje a tua amiga?” “Hoje é para colocar um lugar na mesa para ele?”
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