O adulto manda e a criança obedece. Ai é?
É importante que o adulto seja coerente com as suas regras: uma vez assim, para sempre assim. Será mesmo? Para que servem as regras, afinal? E para quem servem? E quais são as regras que servem a sua família neste momento? Como comunicamos as nossas regras? E como é que as definimos? Filipa Soares, Facilitadora na Academia de Parentalidade Consciente, mostra-nos quais são os limites de cada um.
Impor regras. Estabelecer limites. Dizer Não. O meu grande desafio enquanto mãe e enquanto pessoa. Primeiro filho. Primeiros meses. Mama. Passado 1h mostra sinais de querer mamar novamente. Regra (do médico): só pode mamar de 3 em 3 horas. Só pode mesmo? À noite acorda a cada 3 horas. Regra (da avó): tens de o deixar a dormir no berço. Tenho mesmo? Segundo filho. À mesa. Regra (que todos fazem): tens de comer a sopa toda, antes de passar à comida. Será assim tão importante? Na sala. Regra: não há brinquedos, os brinquedos são no quarto. Será que tem de ser assim todos os dias?
Ao longo da infância, com grande intensidade na adolescência e com maior consciência na idade adulta (sobretudo depois de ser Mãe) tenho vindo a questionar muitas regras. E ainda bem. Questiono porque quero ter intencionalidade nas coisas que faço, quero ser congruente com aquilo que acredito e autêntica com as necessidades de cada momento.
Por detrás da necessidade de muitas regras, há uma grande necessidade de controlo. Queremos controlar tudo, sobretudo no que toca as crianças: quando nascem, quanto comem, o que vestem, como aprendem, o que dizem, o que fazem. Queremos também controlar as emoções, sobretudo as “negativas”: “os homens não choram”, “não chores que a mãe já vem”, “isso não é razão para chorar”.
Se fosse possível controlar tudo, viveríamos num mundo sem surpresas, onde todos estariam seguros e saberiam com o que podem contar. Ainda que o conforto da estabilidade seja importante cultivar, a flexibilidade perante o imprevisto é também uma arte importante de desenvolver. Se queremos controlar tudo, geramos desequilíbrio; Se não queremos controlar nada, geramos desequilíbrio. E como chegamos ao caminho do meio?
Aceitar os limites de cada um é o primeiro passo. Reconhecê-los no rebuliço do dia-a-dia é que é por vezes desafiante.
Limite 1: o nosso corpo
Nunca podemos dar um passo maior que as pernas; se temos fome, há que comer; se temos sede, há que beber; se temos sono, há que dormir; se cortamos o dedo, há que parar a hemorragia.
Limite 2: as nossas emoções
Quer gostemos ou não: estão lá. Se aceitarmos, elas passam. Se resistirmos, elas crescem. Se negarmos, elas explodem. Se deixarmos, elas mandam. Se as reconhecermos e ouvirmos, elas guiam.
Limite 3: os nossos pensamentos
Criam a nossa história do mundo. Se os agarrarmos, são a única verdade. Se os observarmos, são padrões. Se os deixarmos ir, podemos escolher os que nos fazem evoluir.
Limite 4: os outros
Se colaboramos, crescemos; se resistimos, destruímos.
Limite 5: a sociedade
Quando cada um de nós conseguir reconhecer e respeitar os limites anteriores, os limites da sociedade serão vividos com responsabilidade pessoal. Quando fortalecemos a integridade de cada indivíduo, cuidamos da integridade do grupo e das nossas relações
E então como mostramos isso aos nossos filhos?
1. O corpo
Damos espaço para que conheça o seu corpo e os seus limites desde a nascença: passar tempo no chão, comer quando tem fome, andar quando se sente preparado, vestir a roupa que precisa. Deixamos que falhe, que caia, que se levante. Confiamos.
2. As emoções
Partilhamos as nossas emoções e reconhecemos as deles; criamos espaço para que todas as emoções possam ser vividas. Aceitamos.
3. Os pensamentos
Mostramos interesse pelos seus pensamentos, opiniões. Observamos. Questionamos. Reconhecemos os padrões. Assumimos responsabilidade pessoal pela nossa realidade. Estamos presentes.
4. Os outros
Respeitamos a integridade de cada pessoa. Ouvimos. Observamos. Escolhemos as palavras que usamos. Questionamos. Partilhamos as nossas necessidades. Somos criativos a encontrar soluções para as nossas divergências. Praticamos Bondade e Compaixão.
5. A sociedade
Definimos quais os limites da vida em sociedade que nos fazem sentido e praticamo-los: agradecemos às pessoas, cuidamos do nosso lixo, cumprimos regras de trânsito, colaboramos com os outros, cuidamos dos espaços comuns, etc. Construímos Comunidade.
Para definirem limites de forma autêntica, experimentem:
1. Dedicar tempo a identificar em conjunto quais os limites gerais da vossa família (rotinas, rituais familiares, tarefas de cada membro da família);
2. Ter claros quais as vossas intenções e valores enquanto pais e enquanto família (“quero ter razão ou quero apoiar o crescimento do meu filho?”);
3. Parar e sintonizar com a vossa experiência interior a cada momento (o que observo no meu corpo, que emoções estou a sentir, que pensamentos surgem) ;
4. Escolher o comportamento que esteja alinhado com as 3 alíneas anteriores.
5. Comunicá-lo com linguagem pessoal*.
O que descobri na minha prática de definição de limites:
1. Que muitos “nãos” que digo, saiem de forma automática e têm origem na minha experiência da infância, no que os outros esperam de mim, na minha necessidade de segurança e controlo, no meu cansaço (sobretudo neste!). Se me desfizer desses “nãos” a vida fica mais leve.
2. Que os meus “nãos” autênticos, comunicados a partir do que a situação me faz sentir, geram maior aceitação e colaboração. Ex.: (para a filha de 3 anos): “Eu tenho medo de te deixar ir à padaria sozinha. Vou contigo até à porta da padaria e depois compras o pão sozinha, ok?”.
3. Que quando estabelecemos um limite a criança tem uma reação. E como diz Mikaela Ovén: “está tudo bem”. Importa refletir: será que a criança está a ter espaço para satisfazer as suas necessidades? Será que ando a controlar demasiado? Como é que estou a comunicar o meu limite? Conseguimos respeitar os limites quando o nosso espaço e liberdade para satisfazer as nossas necessidades é também respeitado.
4. Os nãos de hoje podem não ser os de amanhã.
5. Os meus filhos são pessoas e também têm os seus limites. Quando ouço e respeito os seus “nãos” crio uma oportunidade de demonstrar igual valor, respeito pela integridade, aceitação e colaboração. Tudo o que quero que também demonstrem por mim!
Com estas “lentes” conseguimos ter flexibilidade suficiente para lidar com presença e aceitação quando as coisas não são como planeamos e confiança para encontrar as respostas que melhor se alinham com as nossas necessidades, valores e intenções. Conseguimos discernir com maior clareza as prioridades de cada momento e atuamos de forma congruente com a nossa experiência interna e externa. Assumimos responsabilidade pessoal pelos nossos Nãos. Trata-se de uma prática, em cada momento.
Inspirações: os meus filhos, *Mikaela Ovén; Rebeca Wild, Shefali Tsabary.
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