Como gerir o acesso e a utilização que as crianças, sobretudo as mais pequenas, fazem das tecnologias digitais é uma das dificuldades que se coloca aos pais atualmente.
Há muita informação sobre o tema, mas frequentemente contraditória, e os pais defrontam-se com dúvidas e dilemas, particularizados nas características de cada criança e de cada contexto familiar. É difícil encontrar respostas que vão além do “talvez” ou do “depende”, mas Patrícia Dias, Professora Auxiliar na Faculdade de Ciências Humanas na Universidade Católica Portuguesa e investigadora no Centro de Estudos em Comunicação e Cultura, tenta, com este texto esclarecedor.
Estas respostas podem não ser satisfatórias para pais cheios de dúvidas, mas são genuínas e verdadeiras. Não respostas absolutas nem fórmulas mágicas. Já Melvin Kranzberg afirmou em 1985 que as tecnologias digitais “não são boas, nem más, mas também não são neutras”. Ao que Steven Johnson contrapôs, em 2006, escrevendo sobre os videojogos, que “tudo o que é mau faz bem”.
Os pais deparam-se frequentemente com a percepção paradoxal das tecnologias digitais como “bicho-papão” e “fada madrinha”. São “bicho-papão” quando os pais temem que o screen-time excessivo resulte em vício, que contribua para o isolamento das crianças e para a perda de social skills, que cause sedentarismo e tenha consequências negativas para a saúde como a obesidade, que deixe as crianças demasiado excitadas e com dificuldade em dormir, que lhes gere ansiedade e défice de atenção. Mas quando os pais precisam de fazer o jantar, quando têm que acabar um relatório para o dia seguinte, quando estão num restaurante ou numa sala de espera e as crianças estão inquietas, os smartphones e tablets são chamados a, qual “fada-madrinha”, salvar o dia, proporcionando o tão desejado entretenimento mesmerizador que consegue manter as crianças quietas e sossegadas, de olhos pregados no ecrã. Há também casos em que os pais retiram benefícios do potencial das tecnologias para apresentar aos filhos soluções para as suas dúvidas e respostas às suas curiosidades, ou até ferramentas para atingirem os seus objetivos, tornam-se, num sentido mais literal, em verdadeiras “varinhas mágicas” multi-funções.
Procurar informação e conselhos de especialistas é importante. Desenvolver investigação científica nesta área, que forneça aos pais dados e argumentos que os ajude nas suas decisões é fundamental. Mas recai sobre os pais, sobre cada pai e mãe, a responsabilidade de ponderar os riscos e benefícios proporcionados pelas tecnologias, e de agir de modo a proteger as crianças, a sua criança, dos riscos e proporcionar-lhes o máximo de benefícios. Marshall McLuhan afirmou em 1967 que “nós moldamos as nossas ferramentas e elas, por sua vez, nos moldam”. Talvez seja esta a melhor perspectiva, olhar para as tecnologias digitais apenas como ferramentas, úteis e versáteis, apelativas e divertidas, e que, como tudo, em excesso são prejudiciais.
A investigação científica fornece algumas diretrizes e orientações, que não podem ser apreendidas como soluções one-size-fits-all, mas antes devem ser adaptadas às características de cada criança e ao contexto de cada família. Um estudo longitudinal realizado este ano em Portugal, em co-autoria com a especialista em tecnologias digitais no Pré-escolar Rita Brito, mostrou que os pais de crianças pequenas estão a adoptar, à medida que elas vão crescendo, uma postura mais participativa. Enquanto as crianças são muito pequenas, e não sabem ler nem escrever, os pais consideram que elas não estão expostas a muitos riscos – na verdade até estão – e que as suas atividades digitais são limitadas – quando, ao contrário, as crianças desenvolvem estratégias surpreendentes para atingir os seus objetivos e são bastante competentes com as tecnologias digitais. Nesta fase, os pais tendem a restringir bastante o screen-time, mas não dão muita atenção ao conteúdo e deixam frequentemente que as crianças explorem aplicações móveis e vídeos no YouTube sozinhas, até porque o tablet configura-se como um grande rival para a televisão na disputa do papel de baby-sitter preferida. À medida que as crianças vão crescendo e o seu leque de atividades online se vai tornando mais diversificado, os pais vão sentindo mais necessidade de as supervisionar.
Em algumas das famílias que visitamos, os pais encontraram num estilo de mediação parental autorizado a solução para os seus dilemas, conjugando uma elevada normatividade – há regras, e frequentemente são negociadas em família e ajustáveis ao comportamento e ao desenvolvimento da criança – com uma elevada participação – os pais acompanham os filhos na realização de atividades digitais, interagem com eles, ensinam, aconselham. Desta forma, é possível inverter, por exemplo, o receio de que as tecnologias digitais gerem isolamento e distanciamento, transformando-as em triggers de momentos divertidos partilhados em família, criando laços em torno de interesses e preferências, e construindo as bases de uma relação próxima e saudável entre pais e filhos que, com o crescimento das crianças, inevitavelmente será alvo de mediação digital.
O projeto hAPPy Kids, desenvolvido por Patrícia Dias em conjunto com Rita Brito, pretende definir critérios para avaliar se e como as aplicações móveis podem ser usadas pelas crianças de modo benéfico, oferecendo guidelines úteis a pais, educadores e professores. Os pais dispostos a contribuir para este projeto podem fazê-lo respondendo ao inquérito online disponível em https://goo.gl/forms/YtqT2nEuyIGAUsaY2
Mais informações em https://happykidsunit.wixsite.com/happykids
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