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Mais respeito pelas grávidas!

respeito pelas grávidas

Não está na altura de - definitivamente - acarinharmos a parentalidade?

Foi notícia, há pouco tempo, o desabafo de um membro do Governo a propósito da quantidade de baixas médicas por gravidez de risco no contexto de uma intervenção pública onde, ao mesmo tempo, foram abordados os quase três milhões de dias de faltas ao trabalho no sector da saúde. Eduardo Sá é psicólogo clínico, psicanalista, professor e escritor – e uma voz poderosa na quebra de tantas ideias pré-concebidas sobre felicidade, famílias, educação e amor. Hoje fala-nos da gravidez, e do respeito que, por vezes, ainda nos falha. 


Será razoável que, de forma indevida, haja baixas fraudulentas, por mais que sejam atestadas medicamente? Não, claro. Mas será prudente presumir que, atendendo ao número de baixas médicas por gravidez de risco, haverá um número significativo de fraudes a sustentá-las? Também não!

Aliás, talvez esta possa ser uma boa altura para falarmos da gravidez e do que ela representa para uma mãe. Em primeiro lugar, e num plano físico, uma gravidez não é o céu! É esgotante. Do meio para o fim da gravidez, passa-se a não ter “posição” para dormir. O sono nunca é reparador. A bexiga está constantemente pressionada. A azia torna-se comum. A respiração mais ofegante. E o coração reage ao “excesso de peso” súbito, em consequência de um bebé “hospedado”, da forma possível, dentro da barriga.

De um momento para o outro, uma grávida é atravessada por uma dor aguda, consoante o modo como ele se movimenta ou o membro que vinca sobre um órgão da mãe. Se anda demais, uma grávida desfalece, o bebé reage e confundem-se cólicas com contracções. Se está longos períodos sentada há uma dor que se impõe e que lhe exige que se distenda. Ou seja, por mais que se sinta com “o rei na barriga” uma grávida não se reconhece, muitas vezes, no seu corpo. Luta com ele. Na forma como anda ou tentando reagir às limitações que tem.

É claro que tudo isto incomoda, cansa e magoa. E tem um determinado valor se a grávida tiver um “grávido”a acompanhá-la, a amparar e a cuidar das suas dificuldades de todos os dias: quando ela se senta, se levanta ou se movimenta, por exemplo. Mas tem um valor várias vezes mais duro – apesar da forma amorosa como viva o bebé – se ao cansaço se associar o desamparo com que vive a gravidez. O que, sejamos verdadeiros, não é tão raro assim que suceda.

E se, sobre tudo isto, tiver outro(s) filho(s) cujos cuidados sobrem para ela. E se quiser dividir os seus cuidados com todos eles, pegando-lhes ao colo, dando-lhes banho ou adormecendo-os. Para além de cuidar, em exclusividade, da casa (como acontece à maioria das mulheres). Pergunto-me, pois, diante de tudo isto, onde estará a sensatez daqueles que, a propósito da gravidez, ainda insistem em chamar-lhe “férias de parto”.

Se acrescentarmos a tudo isto um trabalho. O rigor com que uma grávida o pretenda desempenhar. O caminho que tenham de fazer até lá chegar. O trajecto de regresso. E as esperas que tenham de ter nos mais diversos locais e a forma indecorosa como, habitualmente, apesar dos avisos de atendimento prioritário, é ignorada por homens e por mulheres, tudo se complica. Se, para mais, só por estar grávida, uma mulher pode ver em risco o seu posto de trabalho, as suas avaliações de desempenho e as suas relações laborais a gravidez torna-se irrespirável.

Se, como também acontece, vê algumas pessoas a aproveitarem-se da sua posição fragilizada, e se, para além do mais, aquilo que lhe é exigido não se compadece com a sua fragilidade física e afectiva, para além de se sucederem os conflitos, as tensões, os prazos, etc., típicos de um trabalho normal, talvez seja importante perguntarmos ao que é que nos referimos quando falamos de uma gravidez de risco. A inchaço, vómitos ou sangramentos? A risco de parto prematuro?

E, depois, há tudo aquilo que se passa, de forma mais ou menos silenciosa, dentro duma grávida. As suas experiências de gravidez anteriores. Os seus medos. A situação de parto e o receio de morrer. O que ela teme ou confabula que venha a seguir ao nascimento. As ajudas que possa não ter.

Os custos que ela sente que isso tudo pode trazer-lhe. A culpabilidade por alguma coisa que possa não ter sido tão exemplar na cabeça dela, durante a gravidez, a propósito do bebé. Os desacertos familiares. Algumas “constipações” da sua relação de casal. Um ou outro indicador mais preocupante a propósito da saúde do bebé.  Mais as análises. E o peso, claro. E um ou outro pesadelo acerca do bebé que, nesta altura, ganha outra dimensão. E todas as reticências mais ou menos secretas que povoam o seu coração.

Não seria, então, uma boa altura para assumirmos que uma grávida – em função daquilo que entenda protegê-la a si e ao seu bebé, e com o aval do seu obstetra ou do seu médico de família – deve poder viver a segunda metade da gravidez com o recolhimento e os cuidados que o seu estado exige? Não deve uma licença de maternidade começar, “obrigatoriamente”, mais cedo? E, por isso mesmo, não devia ser maior? Não devia estender-se a partir da segunda metade da gravidez?

E, sobretudo, sem uma aura de fraude a inquiná-la? É claro que haverá quem fale nos aspectos financeiros de uma medida como esta. Mas haverá tantas grávidas assim e será uma gravidez tão displicente e tão insignificante que uma medida de protecção como esta não seja devida? E, diante de tudo isto, fará sentido confundir baixas fraudulentas com baixas médicas por gravidez de risco? Isto é: desde quando é que o equilíbrio psíquico de uma grávida não se deve assumir como um factor de risco no pré e no pós-parto?

Será, assim, tão sumptuoso que, ao período que a Lei define como Licença Parental se acrescentem mais 4 meses, com carácter facultativo, que protejam uma mulher e abriguem a gravidez?

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