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A gravidez não é o céu

gravidez eduardo sá

E, nem sempre, se está de "esperanças"...

Eduardo Sá é psicólogo clínico, psicanalista, professor e escritor – e uma voz poderosa na quebra de tantas ideias pré-concebidas sobre felicidade, famílias, educação e amor. Agora, lembra-nos que nem para todas as mulheres a gravidez é um “estado de graça”. Às vezes, pode ser tudo menos engraçada.


1. Uma gravidez nunca tem nove meses.

Às vezes, tem quatro ou cinco, porque entre um bebé se aconchegar na barriga e existir, como parceiro, na cabeça da mãe, é preciso algum tempo. Às vezes, tem oito ou nove anos (ou, mesmo, mais) tantos quantos a mãe leva a lutar para que ele deixe de ser uma boa ideia e se transforme numa realidade de meia dúzia de milímetros com um coração que bate acelerado.

2. O pai e mãe não engravidam, os dois, ao mesmo tempo.

Há pais que engravidam muito antes da mãe do bebé. E há pais que nunca engravidam, também. Exactamente como acontece com a mãe. É claro que faz diferença que a gravidez na mãe e a gravidez do pai se encontrem, se liguem e se expandam, uma à outra. Mas é difícil que, no fundo de cada um, uma gravidez se vá tecendo a quatro mãos e a uma velocidade mais ou menos idêntica.

3. Uma gravidez nunca é planeada.

É claro que haverá umas gravidezes mais acidentais que outras. Mas, em rigor, uma pessoa nunca engravida exactamente quando quer. E, ao contrário do número inacreditável de cesarianas que se praticam sem necessidade, nunca termina no dia e na hora em que, com a ajuda do obstetra, um parto se planeia.

Aliás, se eu mandasse, acabava, de vez, com esta ideia segundo a qual o contrário duma gravidez acidental é uma gravidez planeada. É claro que eu acho uma benção que os casais planeiem uma gravidez. Se bem que muitas consultas de planeamento ora se restrinjam à administração de contraceptivos ora escorreguem para uma versão demasiado comparticipada (e, até, confessional) duma decisão que deve ser íntima, conversada e sentida. Mas a dois! Será que as maternidades têm noção que esta ideia duma gravidez acidental traz consigo uma espécie de atributo – amigo dos défices de atenção – que parece supor que os pais ora tenham cedido ao impulso amoroso ora sejam irreflectidos e descuidados?

 4. Na maioria das vezes, uma gravidez não é desejada.

E, muito menos, logo desde o princípio, como se fosse um amor à primeira vista. O desejo nasce, aos bocadinhos, quando somos filhos. Cresce, mais ou menos aos soluços, quando nos apaixonamos. E atropela-nos, duma vez, quando chegamos à firme convicção de termos, ao nosso lado, a pessoa que queremos para toda a vida. Mas em quantas gravidezes acontece tudo mais ou menos assim? Seja como for, o desejo, precisa de tempo para se descobrir e para ser saboreado.

5. Uma gravidez não é, sempre, um estado interessante, como se tivesse de se dar, obrigatoriamente, em tons de azul ou de cor-de-rosa bebé.

E como se o pai e a mãe só a pudessem viver a dois palmos do chão, numa alegria luminosa e, é claro, profundamente contagiante. E onde fica o mal estar do pai do bebé não estar na primeira linha de todos os momentos da gravidez? E, já agora, onde fica a sexualidade do casal, vivida cheia de medos, e falada com um silêncio estranho nas maternidades? E onde ficam as contas que uma gravidez também nos obriga a fazer? E as reticências que o pai tinha em relação àquele casamento e que, por vezes, decide assumir, algures entre o início da gravidez e os dois ou três meses do bebé?

6. Uma gravidez nunca é calma. Nunca se atravessa uma gravidez sem um sobressalto, e sem uma pequena perda ou sem um sintoma que ponha qualquer mãe a fazer “contas de cabeça”.

E há sempre uma circunstância ou outra em que o mundo inteiro parece apostado em incomodá-la. Mas um bebé nunca se “constipa para o amor” quando a mãe se enerva ou se enfurece, se esganiça ou se se desfaz em lágrimas. Os bebés não são “de porcelana”! E, muito menos, quando as mães vivem aquilo que sentem com verdade, com alma e com paixão.

7. Uma gravidez traz, muitas vezes, um dilema dos grandes.

“Se não tenho sintomas, não estou grávida; se eu os tenho, lá se vai a beatitude disto tudo”. Uma gravidez nunca nos distrai: antes parece ligar uma espécie de turbo que faz com que a mãe pareça, por vezes, mais ou menos ausente, e o pai, por mais que ele não queira, numa atrapalhação sem limite.

8. Um bebé nunca traz consigo um sim, sem dúvidas, para toda a vida.

“Faço bem ou faço mal” é, também, em relação a todos os bebés, um gesto amoroso. Porque ele interpela os pais acerca da qualidade do amor que têm para lhe dar. Porque os obriga a perguntar se estarão à altura daquilo que ele exige. Porque esclarece, por vezes, que os laços entre o pai e a mãe pesaram menos para a sua vinda que o “relógio biológico”, a pressão da família, ou a tentação de acompanhar os bebés dos amigos que, entretanto, vão nascendo. Seja como for, sem dúvidas nunca se aclaram as convicções.

9. Um bebé não é sempre uma paixão a perder de vista.

Porque quer a mãe quer o pai projectam nele os pais que tiveram, os pais que desejaram ter tido, os pais que se imaginam ser e os filhos que desejam ser capazes de construir. E isto tudo pesa nas expectativas que um bebé tem sobre os seus ombros. Juntando a isto a história, nem sempre calma e açucarada, de uma gravidez anterior. E mais um medo ou outro que nesta gravidez sobressaltou os pais. Feitas as contas, um bebé já nasce com um nível de exigência que, sem ninguém dar por isso, pesa um bocadinho, sobre ele, todos os dias.

10. Um bebé atropela, desde o princípio, a relação dos pais.

Porque, já não falando da forma diferente como engravidam, nem sempre a mãe traz “o rei na barriga” e o pai está numa espécie de plantão incansável para a satisfazer de todos os desejos. Há mães que se sentem tão nas nuvens que ignoram os pais. Há pais que parecem crianças que amuam por se sentirem a perder o atenção da sua companheira (que talvez, até aí, mais fizesse de mãe). Por outras palavras: um bebé ajuda a que os pais se casem ou divorcia-os como ninguém. É mesmo muito difícil dar todo o protagonismo ao bebé sem deixar de colocar a relação dos pais sempre em primeiro lugar!

11. Os bebés não são todos lindos de morrer.

Às vezes, são vermelhuscos. Às vezes rabugentos e, à primeira vista, pouco dados. E os pais, porque os amam, sentem-se , muitas vezes, obrigados a não por em dúvida a sua beleza quando, lá no fundo, percebem que “quem feio ama bonito lhe parece”. Mas se for bonito… ajuda.

12. Um bebé cansa que se farta.

Aliás, como pode uma mãe ser bucólica e bondosa dormindo em suaves prestações de duas horas? E como pode ter uma atenção flutuante enquanto está exausta, ao mesmo tempo? E como pode amar o mundo quando o pai do bebé se distrai em relação a ela, e uma das avós, enquanto a repreende, dá banho ao bebé e lhe “põe legendas”, muito melhor? E como pode ser mãe quando, por mais que ela o ame, aquela “prisão domiciliária” nem sempre lhe sabe ao melhor do mundo? E quando, por mais que haja quem fale de “férias de parto”, ela se sente com saudades do trabalho? E por mais que esteja feliz, quando sente uma tristezazinha, que lhe arranha o coração, e quase nunca se resolve?

13. Uma gravidez pode não ser, todos os dias, o melhor do mundo.

Mas vivê-la com verdade ajuda a tornar-nos melhores. Como pessoas e como pais. Para lá de sempre.

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