A história de uma família com condicionantes, mas que jamais se deixou condicionar.
Ao longo dos próximos meses, vamos desvendar histórias de famílias que nos motivam e inspiram no nosso dia-a-dia. São famílias que ousam fazer diferente, que têm a coragem de desafiar os padrões e que vão sempre à procura daquilo que as faz feliz.
As famílias que nos inspiram tiram o melhor partido da vida, gozam cada momento e divertem-se juntas.
São histórias diferentes, bonitas e originais, que esperamos que vos inspirem também!
A energia flui de forma óbvia – quando Sara e Miguel nos recebem, já estão a dar. É uma troca inevitável.
Abraçam-nos na chegada, preparam-nos um chá, oferecem-nos mini broas de milho, e, através dos corredores do piso térreo da casa adaptada, apresentam-nos os seus maiores tesouros: primeiro Teresinha, a filha mais nova, depois Duarte, o do meio, num inverter espontâneo da sintonia temporal, e, por fim, Quico, o primeiro, motivo e razão de tudo o resto.
Francisco, agora com dez anos, nasceu com paralisia cerebral severa. Ao contrário dos irmãos, não nos cumprimenta com entusiasmo, nem se esconde com vergonha. Na sua cadeira de rodas, continua a ser. A mãe acaricia-lhe o cabelo, pergunta-lhe se está com sono. Quico responde com uma queixa ténue. A energia flui de forma mais óbvia ainda. E tem um nome: amor.
Um propósito para a vida
O tempo quebra-se num abismo. Sara vive hoje tranquila e feliz com a sua realidade, mas emociona-se quando recorda o nascimento de Quico e os seus primeiros meses de vida – com ele, nasceram também o choque, depois a diferença e, no fim, a vontade de enfrentar o mundo.
Estava junta com o Miguel – não éramos casados, mas o objetivo também não era esse, interessava-nos apenas estarmos juntos. Tive uma gravidez perfeitamente normal até às 36 semanas e, de repente… Fui ao médico, que percebeu que o Quico estava em sofrimento fetal, e encaminharam-me para o hospital para fazer uma cesariana de urgência.
Duas horas depois já estava de pé. O Quico ficou numa incubadora, por ser prematuro, e eu queria vê-lo. Fui; ele estava bem. Voltei ao quarto para tomar banho e quando regressei ele tinha tido imensas convulsões. Estavam a tentar controlá-las por medicação, sem conseguirem. Não conseguirem já era uma indicação de que algo não estava bem.
O diagnóstico não foi imediato, nem sequer tão rápido quanto se esperaria. Chegou apenas dois meses mais tarde, rasgando a compreensão de todos os planos presentes e futuros, e com um acumular de sinais, sintomas e sustos prévios.
O Quico saiu da incubadora mas não mamava. Esse também era um indicador. Trouxemos para casa um bebé, depois de 21 dias no hospital, sem termos ainda qualquer noção do que se passava.
Mandaram-nos fazer exames ao fim de um mês. Percebemos que ele tinha atividade epiléptica e começámos logo a terapia. Depois veio o diagnóstico de microcefalia [uma condição em que a cabeça e o cérebro da criança são menores do que o normal]. Só nos apercebemos quando o fotografámos aos dois meses.
As coisas foram começando a tornar-se bastante complicadas mas ninguém em Portugal conseguia explicar-nos do que sofria o Quico, até que encontrámos um médico que nos disse: “Se fosse meu neto, eu já estaria em Londres ou em Boston num hospital para perceber o que é que se passa”.
Marcámos consulta em Londres e foi quando recebemos a notícia de que o Quico tinha uma paralisia cerebral. O próprio médico, que pensava até que já no-lo tinham dito, chorou ali connosco, porque tivemos que encarar uma realidade muito diferente daquela com que tínhamos sonhado. Foi um choque grande.
Miguel junta-se à conversa e sublinha que do momento do choque ao da ação se passou apenas um mês, durante o qual foi necessário reajustar prioridades, digerir uma informação que ninguém espera ou deseja, e pensar em formas alternativas de a desafiar – até, ou principalmente, emocionalmente. A prioridade assumiu-se, então, sozinha: continuariam a ser uma família feliz. O objetivo, como acrescenta Sara, também foi fácil de delinear: a ideia era estimular o cérebro de Quico o suficiente para que ele conseguisse sentar-se, e, depois, aprendesse a andar.
Os primeiros anos são fundamentais para o desenvolvimento do potencial destas crianças, e, apesar de o cérebro dele não ser do mesmo tamanho do das outras crianças, existia ainda assim um cérebro para estimular, por isso sabíamos que tínhamos que fazer alguma coisa, mesmo não sabendo qual seria o resultado.
A paralisia do Quico podia ser leve ou algo mais complicado, por isso fizemos imensas terapias diferentes. Primeiro fomos com o Quico para um Centro de Reabilitação no Algarve, durante três meses. Depois fomos para Cuba, durante três meses e meio também. Foi uma das piores experiências da minha vida: o cenário era quase de guerra, não havia nada no supermercado…
Ter uma criança tão pequena a fazer sete horas de terapia também é muito difícil de se gerir emocionalmente, mas ainda assim eu acreditava muito na terapia intensiva, que cá não se fazia, e por isso quis ir. A evolução foi muito, muito pouca.
Fomos depois para a Alemanha fazer um tratamento experimental de células estaminais, o único país na Europa onde na altura se fazia, e a Santiago de Compostela, testar outro tratamento com hormonas de crescimento. Íamos também a Madrid de três em três meses, de onde trazíamos indicações para aplicar com ele em casa.
Todas estas tentativas têm por detrás o empurrão doce de Sara, que se fez furacão de pesquisa, motor do entusiasmo e incentivo por detrás dos medos que enfrentava. “A minha pesquisa foi sempre autodidata, foi até por isso que nasceu o blog: eu pesquisava tanto sobre aquilo que se fazia lá fora que comecei a ter necessidade de criar uma base de dados de informação”.
A certa altura, Sara cruzou-se com duas terapias que não existiam então em Portugal. Depois de debater o assunto com Miguel, percebeu que o caminho não estava em proporcioná-las a Quico apenas: investiram, no estrangeiro, na formação de uma terapeuta do filho, e, em parceria com ela, abriram uma clínica de reabilitação – a primeira do país impulsionada pela vontade de uma mãe.
Trouxemos efetivamente as terapias para cá e demos a oportunidade a outras crianças que evoluíram imenso. Eu fazia a ponte com todos os outros pais, que partilhavam comigo as suas histórias. Vivia a paralisia cerebral em casa, vivia a paralisia cerebral no trabalho, e a certa altura estava já muito massacrada. Acabei por vender a minha parte da clínica e quando o fiz foi quase um alívio. Claro que com muita pena – ajudar outras pessoas é muito gratificante.
Fotografia: Matilde Alçada Photography
Foi a existência de Quico que plantou em Sara a semente da vida para além da sua própria existência – e que lhe desbravou novos mundos, terrenos e dentro de si mesma.
Antes eu achava que tinha feito algo de mal e duvidei até de Deus, porque se Deus existisse não criava uma criança com tantas limitações. Hoje em dia acredito que noutra vida o Quico e eu nos propusemos a vir ajudar-nos um ao outro. Isso ajudou-me a ter uma visão diferente sobre o porquê de isto ter acontecido.
O Quico permite-nos até fazer uma descoberta de nós próprios que de outra forma não aconteceria. As questões da tolerância, a nossa capacidade de dar aos outros que não sabiamos que tínhamos. Acho que vivíamos de uma forma um bocadinho mais egocêntrica e a mudança comecei a senti-la até no blog. Porquê que eu havia de ficar com a informação só para mim, se a podia partilhar com outras mães? Porquê que eu ia montar a clínica só para mim, se podia proporcionar tratamentos a outras crianças?
Miguel concretiza o raciocínio de Sara, dando exemplos reais sobre esta mudança, até em questões do dia-a-dia.
A Sara era advogada como eu. Era muito boa, mas odiava. É péssimo termos um filho deficiente, mas é ótimo a Sara ser feliz profisionalmente e ter a vida que tem hoje em dia [é health coach e tem o projeto S de Salada]. A verdade é que não é uma realidade boa, mas trouxe também ela muitas coisas boas.
As palavras “propósito” e “missão” parecem ecoar e repetem-se por toda a sala, instalando-se confortavelmente no rumo da conversa.
Sara: Acho que o Quico tem esta missão. Quando nos dá um sorriso ilumina o sítio onde está, muda aquela pessoa, altera a atmosfera. É como uma estrelinha.
Miguel: Nós vivemos em geral muito felizes, mas nalguns momentos estamos extasiantes, quando o Quico está bem. É de facto uma coisa engraçada. O Quico traz-nos alguns momentos mais complicados, mas hoje em dia os nossos problemas e tristezas com o Quico têm muito mais a ver com lidar com os incómodos que ele sente do que com a aceitação. Esse não é um tema há muito tempo.
O momento que mudou tudo só chegou depois
A aceitação é um processo. Para a alcançar, Sara e Miguel fizeram caminhos paralelos – no mesmo sentido. O primeiro passo foi perceber que o entusiasmo com que antecipavam cada nova terapia intensiva não os preparava para o desânimo que chegava depois. Essa noção, de que talvez fosse o momento de ouvir a razão e de adaptar objetivos, floresceu na clínica de Sara.
Todos estes pais passam por um processo. A fase em que não acreditam, a fase do luto e do desespero, e depois a fase em que ultrapassam. Percebi que aquelas terapias também não iam servir para o Quico. Esse foi um dos momentos de aceitação: entender que o Quico não ia ter apenas uma perna torta, que toda a situação seria muito difícil para o resto da nossa vida.
Houve uma médica que, era o Quico mínimo na altura, me disse: “Mãe, isto agora é sempre a piorar”. Eu pensei: “Não vai nada ser sempre a piorar, esta está completamente enganada”. De facto, é sempre a piorar.
O Quico tem imensos problemas: como não anda, tem a anca torta e toda a estrutura dele “se curva”, cai sobre os pulmões. São doenças atrás de doenças. A evolução que eu vejo no meu avô é a que vejo nele. Os avós começam a ficar “mais pequeninos”, mais débeis, não é? Primeiro é o coração que falha, depois os pulmões, têm constipação atrás de constipação, e eu vejo isso no Quico também.
A paralisia cerebral está sempre presente, mas traz com elas, claro, outros tipos de complicações.
Esta percepção trouxe consigo uma mudança de vida, na prática – a redução das terapias, um foco diferente – e no emocional, já que permitiu a Sara e Miguel abraçarem a rotina, e os filhos que atrás vieram, com uma paz quase inexplicável.
Houve uma médica que me disse que eu tinha desistido do Quico. Eu não desisti do Quico, mas tivemos que nos adaptar. Vivíamos obcecados. Se a nossa preocupação inicial era pôr o Quico a andar, hoje passa por lhe dar as melhores condições de saúde possíveis.
Neste momento, vivemos, graças a Deus, muito aceites desta condição. Sabemos que temos muitas mais limitações do que as outras pessoas e que se não fosse a deficiência toda a nossa vida seria muito diferente – desde o sítio onde passamos férias até à casa que temos tudo é em função do Quico – mas o Miguel costuma dizer que já conhecemos mais mundo com o Quico do que o faríamos num contexto normal. Tentamos sempre ver o lado positivo das coisas.
Foi também na aceitação que residiu a chave para Sara e Miguel se libertarem da culpa. Não se martirizam mais, mas também não se limitam ou se responsabilizam por viver além do filho mais velho – no fundo, como todos os pais, aprenderam a dedicar-se também a si, para além da vida de cuidadores permanentes a que jamais viram costas.
Sara: Nós acabámos a construir a nossa dinâmica muito à volta do Quico, claro. Houve uma altura em que para mim não fazia sentido sairmos sem ele e portanto acabávamos por não fazer imensas coisas. Ou porque o Quico estava doente, ou porque estava a chorar, ou porque nos restaurantes não pode comer determinada comida.
Percebi que não era justo limitar os meus outros filhos, nem limitarmo-nos a nós. Esse foi outro processo de aceitação. Aceitar deixar o Quico em casa com outra pessoa a tomar conta dele. Foi difícil fazer esse desapego, mas hoje, por exemplo, vamos almoçar fora e o Quico vai ficar em casa [a entrevista foi realizada a um Domingo de manhã].
Ele não iria beneficiar do programa, porque está cansado e cheio de sono, e se antes ficávamos todos em casa, agora optamos por ainda assim ir fazer algo de que todos os outros gostamos. Não passamos a vida nisto, mas estamos gradualmente a fazê-lo, sem sentir a culpa que inicialmente nos dominava.
Miguel: A nossa capacidade de sermos uma família feliz é precisamente a de encontrarmos soluções alternativas para ter uma vida parecida à das outras famílias. Por isso, como a Sara estava a dizer, encontramos soluções para fazer férias em sítios com boas acessibilidades (em Troia) onde temos a possibilidade de viver uma vida normal. Não fazer férias jamais seria opção.
Sara: Sim, se vamos por exemplo para a praia e não temos uma cadeira adaptada, o Miguel anda 15 dias com o Quico ao colo, sabendo que vai ficar com muitas dores nas costas…
Miguel: Mas isso é a vida, faz parte, já aceitámos, não vamos ficar a pensar “ai, e agora?”. Fazemos e pronto. Encontramos formas de isto não ser uma limitação.
Financeiramente, reconhecem o privilégio que é terem condições para proporcionar ao filho uma vida agradável. “É muito mau uma pessoa ser deficiente, mas não há nada pior do que uma pessoa ser deficiente e não ter recursos para beneficiar de tratamentos e de uma boa vida, isso é que é uma tristeza”, diz Miguel. Por isso, hoje, as preocupações com que vivem são outras. Não existe vergonha, frustração, revolta. Só a vontade, que os acompanha desde sempre, de garantir a independência financeira de Quico, e a necessidade de conseguir melhorar a comunicação com o filho, que, como não fala, não consegue expressar a origem dos seu incómodo.
Nós temos com o Quico o sentimento que os pais têm com uma criança de seis meses que chora sem explicar porquê. A parte desagradável da nossa vida com o Quico é essencialmente essa: nos momentos em que ele está fisicamente pior e nós não sabemos porquê, ou ele está fisicamente pior e nós sabemos porquê, mas ele está com uma pneumonia e tem que estar no hospital. É uma das dimensões negativas da coisa. A outra, que nós transformamos num planeamento, é garantir que, num dia em que nós não estejamos cá, o Quico continua a ter a qualidade de vida que tem hoje.
A rede que é ser família
Fotografia: Matilde Alçada Photography
A coragem de ter outros filhos é também ela uma consequência dessa procura: normalizar a existência, dar continuidade ao coração de ambos e, como segurança mas sem obrigações, fazer dos irmãos a ponte para que o futuro de Quico seja mais sustentado e se fortaleça no afeto.
Duarte tem sete anos. Fala com muito entusiasmo do irmão, com quem tem uma relação próxima, e com quem, apesar do contexto, já encontrou formas alternativas de interagir.
Nós vamos ter um cão – obviamente, também o cão foi escolhido em função do Quico – e ainda não temos nome para ele. Ontem o Duarte chegou-se ao pé de mim e disse: “Eu escolho Buda, a Teresinha escolhe Buda e o Quico também escolhe Buda”. Para ele é um dado adquirido: sabe a vontade do irmão, comunicou com ele. Eu perguntei-lhe: “Como é que o Quico escolheu Buda?”. Muito descontraídamente o Dudu respondeu-me: “Então, eu disse-lhe que se ele preferisse Buda olhava para um lado e se quisesse Yogi olhava para o outro, e ele olhou para o lado de Buda”.
Teresinha, com cinco anos, será, segundo Miguel, “médica de miúdos com este tipo de problemas”. Tem uma sensibilidade muito grande para o irmão, e um cuidado quase maternal na forma como com ele lida. Duarte e Teresa nasceram, ambos, já com esta realidade, e, por isso, simplificam-na de forma amorosa.
Duarte: As coisas más de ter um irmão assim um bocadinho diferente de nós é que ele não pode jogar futebol comigo! A segunda coisa má é que não pode correr comigo. A terceira coisa má é que ele não vai poder fazer festinhas ao cão como eu, nem correr com o cão.
A coisa boa é que ele percebe tudo o que nós dizemos e o Quico é querido quando está bem disposto.
É precisamente neste amor, que os pais cultivam sem pressão nem pressas, que reside a esperança de que Quico jamais estará sozinho a médio ou longo prazo.
Sara: Nós temos a preocupação de não os sobrecarregar quando forem mais velhos. Não é nossa preocupação pô-los a tomar conta do irmão, nós queremos que eles tenham a sua autonomia.
Miguel: Não é justo, nem resulta, condicioná-los, até porque depois eles casam, têm outras pessoas, e se tomar conta do Quico for visto como um peso rapidamente o deixariam de fazer. Sendo muito pragmático, a realidade é essa, portanto nós temos que conseguir criar condições para que eles tenham toda a disponibilidade afetiva sem ter a preocupação material.
Nenhum dos dois se preocupa com os olhares perante a diferença. Têm a certeza de que os filhos serão crianças mais abertas ao outro, com mais respeito pelo que não lhes é igual, e se não sentem incómodo perante a surpresa alheia é precisamente porque acreditam que a exposição traz com ela apenas benefícios, presentes e futuros – para todos.
Sara: Falei com muitas mães que tinham vergonha de ir a um centro comercial. Não têm que ter. Temos que nos mostrar. Houve alturas em que eu me senti muito incomodada por olharem para o Quico como se ele fosse um coitadinho, mas ele não o é.
Vamos ali à pastelaria e o Quico é o único miúdo com deficiência. Esta também é uma forma de criar consciência, de fazer ver aos outros que existem estas crianças. Também sentimos muito esse papel na escola. O Quico tem a mesma turma há quatro anos e os miúdos ficam doentes quando o Quico falta à escola. Mandam vídeos, mensagens, ficam super preocupados quando ele está doente. Acho que vamos criar adultos mais conscientes.
Quem na casa desta família entra já o faz sabendo sempre que a presença de Quico é a estrela que guia cada decisão e consequente ação.
No entanto, já viveram também situações muito delicadas, que os obrigam, hoje, a escolher com cuidado as ligações que estabelecem entre Quico e o exterior.
Sara: Obviamente, as nossas escolhas em relação a quem cá em casa entra estão também relacionadas com o Quico e com a forma como o tratam. Podem até tratar muito bem os outros, mas se ignoram o Quico…
Importa-me muito mais a relação que essas pessoas criam com ele do que com os outros. Tentamos criar ligações que sejam agradáveis para o Quico, mas já tivemos a trabalhar connosco pessoas horríveis. Uma vez, o Quico estava a chorar, com dois ou três anos, e o Miguel apanhou em flagrante uma empregada nossa a dizer-lhe: “Meninos como tu na minha terra são deitados à beira da estrada”. Claro que a despediu no momento.
Miguel: Felizmente é uma excepção e temos tido sempre imensas ajudas familiares e de amigos. Temos uma vida muito boa, com uma grande estrutura de apoio.
Sara: Ainda assim não é fácil, porque não conseguimos deixar o Quico com qualquer pessoa. Dar comida a estas crianças é muito difícil, por mais boa vontade que as pessoas tenham, mas por outro lado sempre tivemos imensa sorte com a minha mãe, que sempre tratou do Quico como se fosse filho dela. É uma pessoa muito importante neste nosso percurso, sempre nos puxou muito para cima. Às vezes estávamos mais desanimados e ela dizia: “O Quico?! O Quico está a falar, vocês é que não estão a ver! (risos)”.
Este espírito tão positivo de todo o círculo que o rodeia fortalece Francisco mesmo na diferença – como não beneficiar de uma interação que se move de amor? Por isso, é notória a sua felicidade.
Miguel: É curioso que o Quico, apesar das limitações físicas e cognitivas dele, evoluiu muito na parte emocional. Infelizmente, ele está muito tempo incomodado, ou porque está com prisão de ventre e irrita-se, ou porque não consegue dizer que precisa de ir para a cama, ou porque está com tosse. Isso afeta-o, claro, mas a verdade é que os outros momentos que ele partilha connosco são contagiantes.
No meio de todas as adversidades, esta é uma família que se une, e, nessa ligação tão forte, não se deixa condicionar. Acreditam na benção que vivem, e na magia que existe se espreitarmos por detrás do que parece castrador.
Nós vivíamos numa casa para onde nos mudámos no exato dia em que o Quico nasceu. Seria uma casa para a vida, com três quartos em cima, uma sala e uma cozinha em baixo. Era impossível para nós transportar o Quico nessas condições, e por isso começámos a pensar na hipótese de comprar um elevador. Um dia demos com esta casa à venda. Viemos vê-la.
O proprietário, que tinha tido um irmão com paralisia cerebral, fez tudo para que ficássemos com a casa, mesmo tendo propostas de valores maiores para a comprar. Disse sempre que esta casa tinha que ser para nós, mesmo nós dizendo que não tínhamos capacidade financeira para a comprar. O senhor, que não nos conhecia de lado nenhum, disse-nos: “Não há problema, pagam quando puderem”.
Foi como um anjo que nos apareceu ali, naquele momento.
É com esta consciência de lugar, propósito e sorte que Sara e Miguel têm encarado os últimos dez anos. Com uma caixa de broas na mão, e enquanto abandonamos um lar tão especial, percebemos que, de facto, nada acontece por acaso: dificilmente Francisco encaixaria, como uma estrela, noutra família que não esta.
Inspiração para uma vida melhor (e mais feliz!)
5 inspirações para a vida em família
– Aproveita o que tens e nunca lamentes o que aconteceu ou não aconteceu.
– Nada é mais importante que a saúde, a amizade e amor entre todos.
– Encara os problemas e obstáculos como desafios e oportunidades de crescer.
– Para, fecha os olhos, respira e saboreia o vento, o sol, os pequenos barulhos à tua volta.
– Menos é mais.
5 músicas para viagens em família
– “Hey Brother”, de Avicii.
– “Happy”, de Pharrell Williams.
– “Bella Ciao”, da banda sonora da série Casa de Papel.
– “Paramasysareh”, de Snatam Kaur.
– “I am Happy”, de Snatam Kaur.
5 lugares para visitar com crianças
– Oceanário;
– Exposições, desde que tenham acessibilidades com cadeiras de rodas;
– Disneyland Paris;
– Neve, na Serra da Estrela;
– Qualquer praia.
5 livros infantis que todos, pais e filhos, devem ler
– “O Príncipezinho”, de Antoine de Saint-Éxupery.
– “A lagartinha muito comilona”, de Eric Carle.
– “A que sabe a lua”, de Michael Grejniec.
– “Os três terríveis porquinhos”, de Liz Pichon.
– “Os três bandidos”, de Tomi Ungerer.
5 filmes que adoram
– Saga Star Wars, para ver com o avô.
– Saga 007, com o Daniel Craig, para ver com o pai.
– Frozen, para ver com a mãe.
– Coco, para ver com a mãe.
– O Panda do Kung-fu.
Gostaram de conhecer a família do Quico, da Sara, do Miguel, do Duarte e da Teresinha?
Conheçam todas famílias que nos inspiram!
– Família Tomás My Special Baby
Boa tarde Filipa,
Sugiro que seja entrevistada a Família Terceiro.
Podem consultar o Facebook ou página da internet “O Dom Maior”.
Mt obg