Quando se multiplica o sonho de ir, e ser, sempre mais longe.
Ao longo dos próximos meses, vamos desvendar histórias de famílias que nos motivam e inspiram no nosso dia-a-dia. São famílias que ousam fazer diferente, que têm a coragem de desafiar os padrões e que vão sempre à procura daquilo que as faz feliz.
As famílias que nos inspiram tiram o melhor partido da vida, gozam cada momento e divertem-se juntas.
São histórias diferentes, bonitas e originais, que esperamos que vos inspirem também!
Pôr os pés à conversa com terras desconhecidas. Foi este o objetivo de Miriam e Nelson, empurrados pelo balão de ar quente em que se transformou o nascimento de Mia. Ela, tão pequenina, a Menina (que, ainda ao colo, devorou o) Mundo – numa viagem à volta dele.
Conheceram-se na escola, numa idade em que tudo parece certo, e cresceram juntos no privilégio de, afinal, o parecer ser – inteiro.
Com o passar dos anos, descobriram paixões comuns e individuais, evoluíndo numa bagagem que carregaram sempre a meias, e que mesmo quando os afasta lhes sublinha o comum. Mais tarde, numa curiosidade que gera histórias para animar os serões familiares futuros, Miriam foi também professora de Nelson na faculdade de Criminologia.
A Criminologia surgiu quando já tínhamos 9 anos de história juntos e aí, além de namorados e noivos, passámos a ter uma relação de professora-aluno, uma fase que ainda hoje nos faz sorrir; ficámos com muitas peripécias engraçadas para, mais tarde, partilharmos com a Mia.
Desta união tão sólida salta, óbvio, o complemento nas diferenças. Ela escreve, ele fotografa, e, juntos, com a filha que tanto desejaram e sonharam, largaram a vida que conheciam – e percorreram o mundo com uma mochila às costas.
(No Princípio era) O Sonho
Foi pouco depois do primeiro aniversário da Mia, num serão em que terão visto alguma reportagem ou documentário sobre viagens de longa duração. Nelson lembra-se de Miriam lhe ter dito, simplesmente (se é que isto poderá ser considerado simples): “E se fossemos?”.
A conversa seguiu-se, ele lembrando o trabalho, os custos, o que perderíamos, e eu, do meu lado, respondia-lhe com palavras grandes como desejo, sonho de partir e tudo o que ganharíamos, cada um e enquanto família. As melhores e mais felizes decisões da nossa vida têm resultado de conversas (aparentemente) simples, baseadas no instinto e no ouvir do coração.
Despirem-se de tudo aquilo que não fica foi o passo seguinte, dado nas mentes e nos corações dos dois, à medida que a ideia, plantada, florescia e os engolia. Com uma bebé tão pequena, nunca se diminuiram no receio ou na dúvida. Pelo contrário, Mia fortaleceu, de forma segura, a certeza da decisão que tomavam – o retorno, sendo imprevisível, também se estabeleceu.
Quando começámos a dar os passos para que tudo se tornasse realidade começamos a aperceber-nos da dimensão da ‘loucura’.
O difícil não foi o momento de me despedir da faculdade, onde lecionei durante sete anos, mas o momento do adeus, o esvaziar de prateleiras e dossiers e o saber que a partir dali aqueles corredores não fariam parte dos meus dias.Foi uma porta fechada cuidadosa e carinhosamente; foi fechada a bem, por querer (e pela melhor das razões), mas tinha as mãos carregadas de emoção na hora de a fechar.
Curiosamente, este mês de setembro, três anos após a minha saída, voltei para a FDUP e este regresso, com os novos projetos que lhe estão associados, é igualmente cheio de emoção e entusiamo. Já o Nelson é fotógrafo por conta própria, portanto não passou por este processo de desvinculação, e durante a viagem continuou a fotografar, embora a título pessoal, e a fazer o que gosta.
Abdicar da segurança que uma casa oferece, e a que sempre associámos os bens materiais, foi mais fácil porque, apesar do cepticismo esperado, as reações foram muito mais entusiastas do que castradoras.
Há sempre vozes que lembram os medos, que se repetem e se renovam, mas preferimos ouvir os sonhos e ir. Quanto aos nossos (família e amigos), as reações foram melhores do que esperávamos, claro, com algum receio natural, nomeadamente em relação ao trabalho e, sobretudo, pelo receio de levarmos a Mia para países que lhes são desconhecidos, mas sem alarmismos. O que prova que nos conhecem bem e sabem que quando se tratam de sonhos, nada nos rouba ao caminho.
A logística necessária para largar tudo é imensa. A coragem faz parte do leque de essenciais a colocar na mala – mas é apenas um de muitos sentimentos que também conhecem outras latitudes.
A coragem é essencial, mas o mais importante será conhecer-se a si mesmo. Conhecer-se muito bem. Saber o que o faz feliz, aceitá-lo e avançar nesse caminho. Não importa fazer algo só porque é espetacular e os torna heróis dos outros. Têm de ser e fazer sentido. No nosso caso passava por fazer uma viagem prolongada em família e não se tratou de nenhum descontentamento com algo que tínhamos ou com as nossas carreiras, tratou-se de algo de que queríamos muito concretizar.
Queríamos este tempo passado em família: que vivemos como um privilégio. Passar por tudo isto em família, dedicarmos este tempo uns aos outros, numa total disponibilidade todos os dias, a todas as horas, crescermos juntos, cada um e enquanto família, a cada dia.
Organizar tudo com antecedência, calma e sabedoria é o segredo para que tudo corra bem. Mas, também, para que os bolsos não pesem com o vazio. Uma gestão muito consciente do orçamento, para o momento e para o depois, é fundamental.
Uma viagem de longa duração implica muito trabalho antes de pôr os pés ao caminho. Que países e qual o melhor momento para visitar cada um deles, que itinerário dentro de cada país, que transportes, o que visitar, quanto tempo ficar, além de questões como vacinação necessária (consulta do viajante) e vistos. Ou seja, muito trabalho está por detrás do aparente romantismo associado às viagens.
Os sonhos não se constroem num dia, fomos-nos guardando para esta viagem (mesmo sem o saber) depois vendemos algumas coisas que percebemos que não nos faziam falta, na verdade destralhámos. Doamos roupa e brinquedos da Mia e vendemos o nosso carro, que permitiu uma boa parte do nosso orçamento.
Não tivemos qualquer apoio financeiro, aliás, isso não nos faria sentido. Há quem precise de ajuda para suprir necessidades básicas e é para aí que os apoios financeiros devem ser canalizados.
Tratou-se de um sonho nosso e devemos ser nós a assumi-lo, a todos os níveis. Tivemos também uma experiência de trabalho em troca de alojamento e alimentação na selva do Bornéu, podem ver aqui: http://www.meninamundo.com/trabalho-em-troca-de-alojamento-na-selva-borneu/.
Trata-se sempre de priorizar o que é mais importante. Há quem entenda que viajar fica muito caro mas tenha um carro que vale muitas vezes o valor de uma grande viagem. É uma questão de escolha entre esse conforto e todas as histórias e enriquecimento que essa viagem poderá proporcionar. Hoje, dois anos após o nosso regresso, temos um carro que não vale 1/5 do nosso carro anterior, mas o que vivemos nunca caberia num número, num carro ou noutro qualquer bem material.
O Mundo – aos pés e no regresso
Miriam e Nelson tinham muito claro o impacto que uma viagem à volta do mundo teria na sua identidade, sempre em construção, desenvolvimento, a crescer no intervalo que é o bater do coração. E perceberam, muito cedo e de forma muito clara, que a casa que queriam construir para Mia viver era assim, “renovada em novos chãos e com um telhado aberto ao céu. Uma casa que tem braços e pernas que nos permitem tocar um elefante e caminhar – lado a lado – com ele. Uma casa que tem paredes que trocam o cimento e a tinta por estórias, pessoas, rostos, odes e tradições de cada nova morada que conheçamos”.
Por isso, viajaram sempre devagar e sem voo de regresso, querendo sentir, e não somar, lugares.
Durante a nossa viagem pela Ásia percorremos alguns países, a China, o Vietname, o Cambodja, a Tailândia, a Malásia e a Índia. Temos, ainda, no passaporte, carimbos de algumas cidades europeias e norte americanas. Sentimos, ao longo de toda a viagem, vontade de ficar em muitos lugares, em alguns deles prolongamos a nossa estadia, para termos a sensação de ser dali e viver como vivem os dali: Yangshuo (China), Hôi an (Vietname), Margão (Índia) foram alguns deles.
E o que fica, como tatuagem, de locais que não parecem reais e nos lembram a nossa insignificância – e, ao mesmo tempo, o impacto que temos nas coisas mais pequena?
Percorrer a Grande Muralha, descer o rio Yulong numa jangada de bamboo, estender os olhos pelos arrozais no nordeste do Vietnam, conhecer as tribos que habituam as suas montanhas, mergulhar na baía onde desceu o dragão (Halong Bay), atravessar o caos organizado de Hanói, jogar ao berlinde com os meninos das aldeias flutuantes do Mekong, viver um mês no meio da selva e trabalhar em troca de alojamento e alimentação, sentir um bocadinho de Portugal nas ruas de Goa e encher os olhos das cores, da vida e das gentes do Rajastão. Todas as pessoas que conhecemos, a gastronomia que provámos.
Regressar à vida de sempre quando tudo muda foi difícil, mas parte final de um processo que se fechou na felicidade de saber que o repetiriam.
Trouxemos a bagagem cheia e quando chegamos parecia que o tempo não tinha passado para os nossos, para os que cá ficaram. Estava tudo igual e nós tão mais cheios de nós.
Foi uma nova etapa, que exigiu adaptação como toda a viagem o foi exigindo. As questões profissionais foram as que nos deram mais luta, para o Nelson, reconquistar espaço no seu nicho de trabalho, para mim o (re)encontrar o caminho.
Se nos perguntassem se o faríamos de novo, mesmo sabendo das dificuldades que o regresso apresenta, responderíamos que sim. Só vivemos uma vez e ninguém nos tratará dos sonhos, que não nós próprios. Somos feitos do que vivemos, das experiências que temos e não das coisas que acumulamos. Por isso dizemos sempre: esta viagem é o nosso melhor retrato de família, diz mais de nós do que qualquer coisa que tenhamos alguma vez o dirá.
A Menina Mundo
Ter filhos fez sempre parte dos planos do casal – que sonhou Mia muito antes da sua existência real.
Sempre desejámos ter filhos, sempre desejámos uma menina e sempre desejámos que se chamasse Mia. A dada altura sentimos que era o momento, que estávamos prontos e que o queríamos acima de qualquer outro sonho.
Já pensavam voar para longe quando a receberam. Mas Mia era parte essencial, e óbvia, deste sonho de dar Mundo à Menina e foi do seu nascimento que, naturalmente, criaram asas para o projecto.
A Mia foi o nosso balão de ar quente. Talvez só tenhamos tomado esta decisão porque a Mia existe, o seu nascimento reforçou em nós a certeza de que o ser (o que somos) deve ganhar ao ter e que, por isso, nos podemos desapegar do que está para além disso. Sempre quisemos conhecer o mundo, e quando pusemos a possibilidade de o fazer em família já não conseguimos voltar atrás.
Mia tem hoje 4 anos, mas há muito que leva dentro de si mais vida do que a vida de tantos adultos. Ao apresentar-lhe a diferença desde tão pequena, numa experiência que é laboratório para absorver outras verdades, Miriam e Nelson têm um objetivo simples.
Se há algo que queremos que ela retenha destas experiências é isto: que a diferença nos traços do rosto, na forma como nos vestimos, como oramos, como falamos, como comemos e no que comemos não nos torna melhores ou piores, mais ou menos, grandes ou pequenos.
É sempre mais e maior o que nos une a qualquer outro ser humano do que o que nos separa dele. O corpo, esse que evidencia as diferenças físicas, será sempre mais do que isso: é lugar onde bate um coração.
Ter estas ideias como pêndulo no dia a dia ajuda-os a, como pais, bem definir os valores com que pautaram sempre a educação de Mia, durante a viagem mas principalmente agora, no regresso à realidade depois do sonho. Na tranquilidade de quem sabe que a rotina não impede o crescimento pessoal, o contacto com o que nos é distante, e a queda das muralhas que nos separam, Mia e Nelson tentam plantar o bem.
Queremos acima de tudo que seja uma criança feliz mas também que se lembre sempre que a sua felicidade deve respeitar o mundo e os outros. Por isso, para além da família e da união, que me parecem estar transpostos na casa que somos e temos vindo a construir, há três grandes valores que enunciaria:
O respeito pelo outro, a empatia – saber colocar-se no lugar do outro, importar-se com os seus sentimentos, porque só crianças empáticas poderão dar lugar a adultos empáticos – e a perseverança e coragem; para enfrentar a vida, os medos e para acreditar nos sonhos, arregaçar as mangas e pôr mãos à obra na sua concretização.
A Mia é, no olhar de quem a acompanha, o fruto de uma liberdade que foge à norma. Miriam e Nelson veem-na num orgulho indisfarçável, suposto e tão fácil de entender. Sabem que é impossível compará-la a uma criança que não existe, à Mia que nunca viajou, mas acreditam que a experiência a moldou assim.
Quando penso na Mia penso na forma como recebe e acolhe os outros em si. No dia em que ela fez três anos perguntei-lhe:
– Mia, o que te faz feliz?
– As pessoas – respondeu.
Não nomeou nenhuma coisa, nenhum brinquedo, que tivesse ou quisesse ter. As pessoas. Sempre as pessoas. Por isso, de tudo, conto-a na forma como acolhe os outros em si, na forma como os faz sentir parte, importantes, especiais. Na facilidade com que se apaixonam por ela e querem ficar perto. E ela parece ter espaço para todos – lá dentro.
Tanto que o Menina Mundo (que escolhemos para ela) faz agora ainda mais sentido, não pelo mundo de fora, que lhe demos, mas pelo mundo – feito de pessoas – que guarda dentro de si.
Além disso é uma menina muito curiosa, quer saber todas as coisas, faz todas as perguntas, é facilmente embalada na descoberta de coisas novas. É muito engraçada e expressiva e achamos que não sabe o que é ter vergonha, pelo contrário, adora ser o centro das atenções e quem faz rir os outros. Tem uma capacidade de imaginação que facilmente nos envolve e nos leva a entrar no seu mundo.
Os medos têm aparecido aos poucos, medo dos insetos, medos dos animais, medo de adormecer sozinha, tudo medos normativos e que fazem parte do crescimento. Mas ela é mais feita de vontades e desejos, do que de medos.
Miriam e Nelson acreditam por isso que aquilo que Mia viu e viveu durante as viagens foi (muito mais do que) suficiente para incentivar as suas primeiras e primárias construções sociais, prescindindo por isso das introduções que por norma acontecem num Jardim de Infância.
A Mia fez dois anos em viagem, e nesse dia, quando olhei para ela, tudo me fez ainda mais sentido. Trazia as unhas sujas: das mãos, dos pés; sujas de tocarem a terra, de tocarem mundo. E o banho resolvia tudo. Na pele trazia o verão e a suavidade dos tecidos de seda, que tocávamos. Trazia os pés descalços: a cada templo que visitávamos.
Acredito nesta forma de aprender, mais do que em qualquer sala fechada. É preciso tocar para sentir; é preciso cheirar para saber ao que cheiram as coisas; é preciso provar para saber ao que sabem as coisas; é preciso ouvir, para mais tarde saber dizer. E é preciso ver: para conhecer, para entender, para compreender e respeitar. Só se familiarizarmos as nossas crianças com a diferença, com esses ‘outros’ e esse ‘desconhecido’ é que teremos um mundo feito de adultos que sabem conviver com ela e aceitá-la.
A Menina Mundo é-o, e sempre o será, seja qual for o lugar que, nas palmas do pés, lhe mostre o caminho. Porque o mais importante existe, além de qualquer dimensão de espaço – e até de tempo.
Quando perguntámos à Mia, durante a viagem, o que era uma casa, ela respondeu: a Mia, o papá, a mamã. Aos dois anos ela sabia que o que faz de nós família não é vivermos sob o mesmo teto e as mesmas paredes todos os dias, é o que nos mora dentro do peito.
Inspiração para uma vida melhor (e mais feliz!)
5 inspirações para a vida em família
Acreditamos que a inspiração pode surgir nas mais pequenas coisas:
– Num abraço mais apertado pela manhã.
– Nas flores que o Nelson rouba ao chão e nos oferece – a mim e à Mia.
– Nas perguntas da Mia logo ao acordar como: ‘Mamã, como é que tu e o papá se apaixonaram?’.
– No amor e na suas mil e uma formas de se exprimir, só temos de estar atentos, sem a pressa de um novo passo.
5 músicas para viagens em família
Há uma que me ocorre de imediato, não é necessariamente para viajar, mas é uma música que nos toca: A vida toda, da Carolina Deslandes. Temos de nos abraçar sempre que começa a tocar.
5 lugares para visitar com crianças
Somos suspeitos, ou nunca teríamos viajado com a nossa filha de 22 meses para a Ásia. Não acreditamos que haja lugares interditos é tudo uma questão de bom senso e de timing. O mundo deve ser explorado, de forma consciente, por todos: adultos ou crianças.
5 livros infantis que todos, pais e filhos, devem ler
Os livros vão-se alterando e os preferidos de outrora dão lugar a novas descobertas, as últimas foram:
– 100 Histórias de adormecer para raparigas rebeldes de Elena Favilli e Francesca Cavallo.
– A Volta ao Mundo em 80 contos.
Podem encontrar a Família Menina Mundo nos seguintes locais
Gostaram de conhecer a família da Miriam, do Nelson e da Mia?
Conheçam todas famílias que nos inspiram!
– Família Tomás My Special Baby
Adoro viajar e viver com as gentes dos lugares por onde ando e permaneço mais ou menos tempo.Tenho 80 anos mas ainda gostaria de fazer o inter rail que há para a 3° idade.
Olá, Cecília! Que inspiração! Quando fizer esse interrail, avise-nos. Queremos saber tudo! Beijinhos!