A autora do livro "Mãe de sete – o livro que não tenho tempo de escrever!" conta-nos como é viver numa casa cheia de vida.
Escrito numa linguagem acessível e divertida, “Mãe de sete – o livro que não tenho tempo de escrever!” conta a história e partilha a experiência de Mariana d’Avillez, veterinária de profissão e mãe de sete crianças. A Pumpkin falou com a autora para saber mais sobra a obra e sobre como é viver numa casa tão cheia de vida!
– É frequente ouvir muitas famílias com um ou dois filhos queixarem-se da falta de tempo e do cansaço. No entanto, a Mariana parece provar que é sim possível conciliar três dimensões – e ser, sempre, mãe, mulher e profissional. Aprendeu a fazê-lo, ou havia já em si uma predisposição natural para se adaptar e gerir a vida desta forma obrigatoriamente mais leve?
A velha questão de “natureza” versus “educação”. Provavelmente é um bocado a mistura dos dois – vejo exemplos desta capacidade na minha árvore genealógica. A minha avó paterna talvez seja o melhor exemplo disso: Casou e em 13 anos teve 10 filhos. 4 anos depois enviuvou. A família uniu-se para ajudar dentro do possível mas a minha avó teve de trabalhar – pela primeira vez na vida! Sem formação universitária não sabia o que poderia fazer. Houve um amigo que, lembrando que ela falava 4 linguas correntemente e sabia dactilografar, deu-lhe emprego de imediato. Trabalhou nesse emprego até se reformar sem nunca deixar de estar presente para os filhos, e eventualmente para os netos e sem nunca deixar de sorrir. Quando me sinto assoberbada pela minha vida lembro-me da Avó Maria e sei que posso contar com um quarto desses genes de resiliência, sobrevivência e acima de tudo de optimismo e Fé.
– A organização e a rigidez nas rotinas são a base de tudo, ou existe espaço para alguma flexibilidade?
No meu mundo tem que haver espaço para flexibilidade. A organização é chave para poder existir flexibilidade. A minha profissão, veterinária, tem muito de imprevisível. A minha família também se predispõe a alterações de última hora – ainda hoje na ronda de recolhas da escola tive um que se sentiu mal e vomitou. Isto desencadeou todo um descarrilamento de planos: atrasei-me para as minhas consultas da tarde, em vez de acabar pelas 18.30 acabei uma hora mais tarde. Ainda consegui deixar as crianças em casa primeiro mas também tive de repensar o jantar – não ia servir atum á brás a estômagos sensíveis – liguei para o talho a pedir bifinhos de frango (grelhados com arroz branco, só um pouco de tomilho para dar sabor). Ou seja, enquanto ligava para avisar do atraso das minhas consultas tive de repensar uma ementa tornando-a ainda mais rápida que a anterior e explicar ao Pedro que embora tivesse dito que ele ia ter tempo para andar de bicicleta depois de vomitar duas vezes no carro essa actividade estava fora de questão.
Este jogo de cintura é fundamental para não ter um fanico quando as coisas correm mal mas também é preciso para a brincadeira. Quando é fim de semana e apetece ficar aquele bocadinho mais na praia, quando os amigos estão por casa e sabe bem continuar na conversa e ver os miúdos a apanhar pirilampos. Nessas alturas a organização significa que existem douradinhos ou ovos ou pápas para uma refeição rápida antes de irem para cama – e nessas alturas os banhos dependem da sua absoluta necessidade.
Em suma as rotinas são o esqueleto sobre o qual se constrói o dia a dia da família mas com capacidade de morfose, de absorver mudanças, reagir e ser espontâneo. Se estas rotinas são o que dá segurança aos nossos filhos, por poderem prever o futuro imediato sentem conforto e algum controlo, também sinto que é fundamental que aprendam a dar o salto para o desconhecido, improvisar com as ferramentas que têm para voltar a ganhar controlo sobre as suas vidas. São as pequenas lições que ajudam a crescer a confiança em si próprios e os preparam para um futuro em que serão eles a tomar as decisões.
– É inevitável deixar alguma coisa para trás e aceitar que nem sempre as coisas correrão perfeitamente? A louça pode esperar? A roupa lava-se amanhã? Ou as tarefas diárias continuam a ser prioridade?
Até certo ponto algumas das tarefas diárias podem ficar para trás (escrevo com a entrada atolada de sacos e malas por esvaziar e arrumar depois de uns dias em que o Miguel e eu estivemos fora e os miúdos em casa dos meus pais) mas quando começa a afectar o bem-estar da família (discussões sobre a falta de arrumação ou ninguém encontra meias lavadas) não se pode continuar assim. Em alturas que o meu trabalho dispara a casa fica um bocado para trás. Em alturas mais calmas até consigo coser os botões que passam a vida a fugir das camisas de pijama. O problema e quando a coisa desequilibra demais num sentido ou no outro. Desde que tenho uma mulher a dias (há um ano!!) a trabalhar dois dias completos voltei a ganhar algum controlo e consigo chegar ao fim de semana sem ter 5 maquinadas de roupa por lavar, estender e arrumar.
– É necessário aproveitar todos os momentos, mesmo os mais improváveis, para estar com todos os filhos sem negligenciar nenhum?
Claro! Mas isso não se deve a serem muitos, deveria ser regra para todas as famílias. Aproveitem cada oportunidade para falar. É possível partilhar o mesmo espaço uma vida inteira sem nunca conversar e assim nunca conhecer o outro. Como pais nem sempre podemos escolher os locais ou alturas em que surgem os momentos em que os nossos filhos nos expõem a alma. Pode ser a voltar para casa depois de um dia de escola em que estamos todos cansados, pode ser na cama com aquele ultimo beijinho do dia, ou quando estamos a dobrar meias ou mesmo na casa de banho a tentar aproveitar uns momentos sozinha.
– Neste livro, para além de contar a sua experiência, partilha também dicas para melhorar a vida das famílias, mesmo as menos numerosas. Que mensagem positiva pretende passar a quem a ler? É possível resumir os seus conselhos em apenas algumas frases?
Tenham esperança e acreditem que vale a pena arriscar e que é possível criar boas pessoas neste mundo… e que o melhor presente que podemos dar a um filho é um irmão!
– Nos atuais contextos socioeconómicos, ter uma família numerosa é uma opção de vida. Ter sete filhos foi uma decisão ponderada?
Ter uma família numerosa foi uma decisão consciente. É claro que cada gravidez vem com uma mão cheia de preocupações – as económicas, as de saúde, o facto de vivermos numa conjuntura que só é previsível a curto prazo quando estamos a pensar no tempo que leva a criar uma família. Por outro lado temos tido sempre muita disciplina orçamental e temos procurado sempre poupar alguma coisa, e também temos procurado outras formas de sustento – como por exemplo as alturas em que escrevia para revistas, as traduções que faço e até este livro – procuramos por sempre os nossos talentos a render para assegurar o conforto da nossa família.
– O que acha que mudou na nossa sociedade para que no espaço de duas gerações as famílias numerosas tenham deixado de ser regra e passem a ser vistas com estranheza? Ter 3 filhos nos dias de hoje é visto já como uma loucura…
São vários os factores. Alguns são a economia do materialismo em que tudo que é pedido e desejado tem de ser dado como se fosse uma prova de amor. Os pais acabam por se entregar ao mito que trabalhando para ganhar mais podem dar mais aos filhos – para poder dar mais deve-se ter menos filhos. Mas não é só aí – tantos aspectos da nossa sociedade levantam obstáculos ás famílias numerosas. Se bem que os veículos, por questões de segurança, são logo um factor limitante pela sua lotação, também as casas hoje em dia dão prioridade a grandes salas e garagens em prejuízo dos quartos e jardim.
Ter muitos filhos é visto erroneamente como uma ostentação de riqueza quando normalmente é mais uma ostentação de amor e alegria.
– Já viveu situações desagradáveis, ou ouviu comentários maldosos, por ser mãe de sete filhos?
Mais curiosos do que maldosos mas acho que as pessoas acham que por sairmos em público com os nossos filhos que também a intimidade deve ser do foro público e não se inibem de fazer perguntas que eu nunca sonharia fazer a um desconhecido! Se são todos “nossos” ou alguns do Pai e outros da Mãe, se foram “de propósito”, se acreditamos em contracepção (fazem-nos estas perguntas à frente dos nossos filhos!) – mesmo a pergunta “se querem mais” não devia ser feita por alguém que não se conhece bem. Só houve uma vez que uma senhora ficou indignada comigo e me chamou nomes quando, na convicção que era um carro de transporte escolar, apontou a minha matricula para fazer queixa as autoridades porque deixei algumas crianças no carro enquanto fui a uma loja trocar um fato banho da Marta. O que ela não sabia e recusou aceitar foi que a mais velha estava no carro a estudar para um teste, tinha telemóvel para me contactar o outro estava a fazer tpc enquanto os mais novos tinham ficado na natação. Ninguém quis ir comigo para a loja e o carro esteve sempre à minha vista. Agradeci-lhe a preocupação e comentei que poderia ter perguntado às crianças se precisavam de alguma coisa.
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