Não é fácil lidar com a morte ou ajudar os mais novos a ultrapassá-la – mas é possível. Saibam mais sobre o luto familiar: Um assunto tão familiar quanto humano.
Por vezes a vida nem sempre é um conto de fadas. A partida de um familiar é sempre uma difícil experiência. Ana Vieira, Paula Nunes e Inês Afonso Marques, da Oficina de Psicologia, falam-nos sobre o processo de luto familiar, a forma como ele se pode manifestar nas famílias e os diversos modos através dos quais podemos lidar com ele, na infância, na adolescência e na idade adulta e como ultrapassarem uma perda.
- Porque surge o luto?
- Como informar as crianças da perda de um ente querido?
- O luto na família – como lidar?
- Do que precisa a família para enfrentar o Luto familiar?
- Como apoiar o meu filho perante uma situação de perda de um ente-querido?
- Como responder às perguntas das crianças sobre o morte?
- Reflexões finais sobre o luto familiar
Porque surge o luto?
A experiência de luto – perda de alguém importante, com o avó – constitui um acontecimento marcante na vida das pessoas. Mesmo sabendo que a vida é finita, ninguém está preparado para a perda. Vivemos num mundo que foge constantemente do tema, não encaramos a morte de frente. Mas ela aparece na nossa vida, porque a perda é inevitável, por isso, o luto familiar é um assunto da família, de pais e de filhos.
Quando surge, o Luto é uma reação normal e necessária. Corresponde a um processo individual com características específicas, que envolve vários sentimentos e pensamentos.
Quando alguém importante morre, invade-nos o choque, a negação, a tristeza, a ansiedade, a raiva e a culpa. Estes são os principais sentimentos envolvidos, que variam de pessoa para pessoa, e não ocorrem em todos os casos. Cada um pode vivê-lo de forma distinta.
Durante o processo, é normal que a pessoa se sinta mal e não deve forçar para se sentir bem rapidamente. A morte é sempre difícil! Será sempre uma fase da vida muito difícil e deve ser! Não há outro modo de vivenciá-la.
Como informar as crianças da perda de um ente querido?
Devo contar que alguém que lhe é próximo morreu? Como dar a notícia?
Embora emocionalmente sentida desde os primeiros anos de vida, o tema da morte é processado de distintas formas consoante vários fatores: a idade da criança/adolescente, a fase de desenvolvimento cognitivo e emocional em que se encontra, a relação ou grau de parentesco que estabelecia com a pessoa, o tipo de morte (se algo esperado, por doença prolongada, por exemplo, ou algo inesperado, como um acidente), a resposta emocional dos adultos que lhes são próximos.
Assim, perante a perda de um ente querido, é fundamental que as crianças e os adolescentes sejam informados da morte de uma forma adequada à sua idade e de acordo com as suas capacidades cognitivas e emocionais, facilitando a integração da informação.
A linguagem deve ser simples, evitando-se demasiadas explicações ou detalhes. É natural que, também para si, seja difícil para si falar sobre a perda. Eventualmente, estará também abalado e em sofrimento. Apesar disso, é importante que a informação que passa ao seu filho seja verdadeira e coerente.
Há pais que preferem evitar o assunto, optando por não dar a notícia como forma de evitar que a criança sofra. Contudo, a ausência de informação pode fomentar pensamentos, imagens ou fantasias irreais acerca da situação, que podem ter repercussões futuras negativas.
Por esse motivo, também em relação a este tema, use o bom senso e, mesmo que seja doloroso para si, procure encontrar um equilíbrio que lhe permita dar resposta às necessidades do seu filho.
Mostre ao seu filho que está com ele neste momento e ajude-o a compreender que, mesmo sentindo a perda, é importante que continue a divertir-se com os seus amigos, que faça desporto, que mantenha as suas rotinas…
Por exemplo:
«Eu sei que este acontecimento está a provocar muito sofrimento e dor, mas acredita que é possível seguir em frente e superar esta perda.»
«No futuro é possível que te sintas animado e não tens que te culpar por isso. Isso não significa que esqueceste quem partiu.»
«Hoje dói muito, mas com o tempo vai doer cada vez menos.»
A manutenção das rotinas quotidianas é um importante fator de proteção, possibilitando a noção de continuidade mesmo em momento de rutura.
Informar a escola é um passo relevante para que os professores enquadrem e possam estar atentos às manifestações emocionais e comportamentais da criança, sendo adequadamente responsivos às necessidades da mesma.
As crianças devem participar nos funerais?
Por vezes, os pais colocam a questão se devem incluir as crianças nos rituais associados à morte. A participação de crianças pequenas em cerimónias fúnebres é algo que deve ser ponderado tendo em conta a situação, a idade da criança e as «crenças» da família.
Contudo, de uma forma geral, desaconselha-se que crianças pequenas participem em velórios e funerais, dada a vulnerabilidade emocional das pessoas presentes no contexto e a capacidade cognitiva e emocional da criança poder não estar suficientemente desenvolvida para integrar este tipo de experiências.
Acresce o facto de, nestes momentos, a atenção dos adultos, também eles em sofrimento, estar menos focada, pelo que a disponibilidade afetiva poderá não ser a mais adequada para dar resposta às necessidades da criança no momento.
Quando a perda ocorre numa idade mais próxima da adolescência, pode ser dada oportunidade ao jovem para escolher aquilo que prefere fazer, respondendo a eventuais questões que possa ter sobre aquilo que irá encontrar ou com que se terá de deparar.
O luto na família – como lidar?
Quando falamos do sofrimento de perder um pedaço de “Nós”, refiro-me a “Nós”, singular – indivíduo e “Nós”, plural – família. Porque o Luto é uma experiência vivida tanto individualmente como em contexto da família. A perda influencia a dinâmica familiar, uma vez que o sistema é alterado e todos os membros necessitam de se reorganizar em função dela.
É importante ter presente que todos os elementos estão a sofrer, embora tenham diferentes formas de o demonstrar; e que o ambiente familiar influência a maneira como os elementos vivem e superam a experiência de perda.
Quando a família apresenta um bom funcionamento, ou seja, quando há coesão entre os membros e estes se apoiam entre si; quando há espaço para expressarem os seus pensamentos e sentimentos, a adaptação à perda é mais fácil porque todos colaboram uns com os outros.
Por outro lado, em famílias disfuncionais, nas quais há baixo nível de coesão e de expressividade de sentimentos e pensamentos, a adaptação à perda pode ser complicada. Os membros da família manifestam níveis significativamente mais elevados de sintomas depressivos e de dificuldades psicológicas.
Do que precisa a família para enfrentar o Luto familiar?
Como pode ser bem-sucedida no processo de sofrimento?
Coesão familiar, muito afeto, contexto apoiante, expressividade de pensamentos e sentimentos, comunicação sobre o tema, aceitação das diferenças de opinião e uma boa dose de honestidade!
Digo isto porque, às vezes, perante a necessidade de proteger o outro, principalmente os mais novos, o adulto pode evitar falar sobre a morte. Em determinados processos, é frequente que os membros da família estejam todos a fazer um grande esforço para não abordarem a morte entre si.
Esta conspiração de silêncio não promove a expressividade e aumenta o isolamento individual. Por isso, falar sobre a morte e exprimir os sentimentos é sempre melhor do que tentar reprimi-los. Viver o luto sozinho, pode tornar-se mais doloroso. Às vezes, o afastamento é a maneira mais simples e tentadora para evitar o sofrimento da perda, mas não é a aconselhada.
Como apoiar o meu filho perante uma situação de perda de um ente-querido?
O processo já é difícil, e torna-se ainda mais complicado quando há crianças e adolescentes. A adaptação das crianças ao luto está em parte dependente do seu entendimento sobre o processo de morte.
Antes dos 2 anos de idade, é difícil a criança integrar o conceito de morte. Esta noção evoluiu à medida que a maturação cognitiva ocorre. Entre os 2 e os 6 anos aproximadamente, a criança vai adquirindo mais consciência da perda. A partir dos 6 anos, a noção de morte torna-se muito clara. Nesta fase, o Adulto deve falar sobre a perda de forma muito simples, evitando explicações pormenorizadas, dando-lhe sempre a maior estabilidade e afeto possível.
Quando a família está a viver um processo de luto, os Pais devem mostrar as emoções aos seus filhos, mesmo as dolorosas. Ver o adulto chorar, por exemplo, ajuda a criança e o adolescente a perceber que é normal e que podem expressar os seus sentimentos sem tentar mascará-los.
Qualquer que seja a pergunta que o seu filhe lhe dirige…
1. Mostre genuína disponibilidade para responder às questões do seu quando ele as faz.
Pois, sabemos que nem sempre o momento é o mais conveniente para determinado tipo de perguntas, quer seja pelo local onde estão, seja porque efetivamente naquele momento não sabe o que responder. Se for esse o caso, prometa falar mais tarde e, logo que possível, retome o assunto.
2. Leve a sério todas as questões do seu filho
Mesmo aquelas que para si possam parecer «descabidas».
3. Não minta ou altere os factos
Não minta ou altere os factos para que a resposta seja «menos dolorosa» para o seu filho. Por outro lado, não se sinta na obrigação de atolar a criança com detalhes relativos ao tema.
4. Opte por respostas simples
Os períodos de atenção das crianças são curtos, pelo que deve optar por respostas simples, verdadeiras mas que respondam à pergunta que foi feita e que permitam à criança lidar com a informação. As crianças mais velhas dar-lhe-ão pistas verbais e não verbais que lhe indicarão se estão «satisfeitas» com a resposta.
5. Esteja preparado para repetir as respostas
Esteja preparado para ouvir a mesma pergunta várias vezes e para repetir a sua resposta outras tantas. A repetição ajuda a criança a sentir-se segura. Mas fique atento à forma como a criança formula a (mesma) questão. Poderá existir alguma diferença subtil, na busca de mais informação, depois de ter processado a inicialmente veiculada.
Uma perda significativa implica necessariamente alterações na vida da criança, nas suas emoções e no seu comportamento. Embora os ritmos de cada pessoa num processo de luto sejam obviamente distintos, caso considerar que as alterações se prolongam no tempo e interferem de forma significativa no quotidiano da criança, não deixe de procurar ajuda profissional de um psicólogo clínico, que estará disponível para apoiar a criança e a família no processo de luto.
Como responder às perguntas das crianças sobre o morte?
Depende! É importante percebermos o que a criança e adolescente quer saber e estar atento às suas questões. Se ela questiona, à partida está preparada para receber a resposta, mas esta deve ser dada de forma simples e com muito cuidado. Se não souber a resposta, permita-se dizer “não sei”.
O luto não é uma experiência exclusiva dos adultos. Inevitavelmente, as crianças vivem também processos de luto. O primeiro confronto com estas emoções surge quando morre o peixinho, o gato … No entanto, quando a perda se trata de um pai, amigo, avô, tio, irmão, o sofrimento da própria criança e de quem está à sua volta, leva a que surjam as primeiras questões:
- O que é a morte?
- O que o fez morrer?
- Para onde foi?
- Vai voltar?
Normalmente, os adultos qua estão igualmente a vivenciar o efeito da perda, ficam desorientados com estas questões, mas o mais importante é responder sempre com a verdade, prevenindo que a criança fantasie as respostas, numa tentativa de perceber o que está a acontecer tanto em si, como à sua volta.
Então o que fazer, e não fazer, para ajudar uma criança a perceber a irreversibilidade da perda?
Evitar explicações como:
- “Foi para o Céu”
- “Não te preocupes que ele só está a dormir”
- “Foi fazer uma viagem”
- “Está no Jesus”
- “ O Jesus precisa de pessoas boas lá no Céu”.
Ainda que bem-intencionadas, estas explicações promovem insegurança e dúvidas na criança, já que, “se está só a dormir, então eu não quero ir dormir”, ou, “se a minha mãe é boa também vai morrer”…
Sem forçar, as melhores explicações devem ser dadas apenas quando solicitadas pelas crianças e sempre com a verdade, ou seja, à medida que vão surgindo as questões, a disponibilidade dos adultos deve ser total, para ir respondendo sempre e sempre até que se esgotem as incertezas na criança.
Optar por:
- De forma simples, explicar o que aconteceu.
- Permitir, caso se verifique esta vontade, a presença da criança nos rituais de despedida.
- Manter o mais possível as rotinas habituais
- Ter em atenção as mudanças no comportamento
- Procurar ajuda especializada
- “ a culpa não é tua“
- “é normal sentir saudade”
- “não evitar o choro”
- “não faz mal estar triste”
Reflexões finais sobre o luto familiar
Não é possível proteger as crianças do luto numa família enlutada, mas é aconselhável dar-lhes apoio na sua dor e ajudá-las a entender tranquilamente que o ente querido não vai voltar, que não faz mal fazer perguntas, que não faz mal estar triste, e sentir saudades.
“ Uma criança sabe fazer perguntas às quais nem um sábio sabe responder”
No seu livro Diálogo com a Morte, Marie de Hennezel descreve uma maneira simples de explicar a morte a uma criança: “A morte é como um barco que se afasta no horizonte. Há um momento em que desaparece. Mas não é por não o vermos que ele deixa de existir.” Pertence sempre ao pedaço de “Nós”, concorda?
Não existe receita nem uma forma única para viver o processo de luto. É muito doloroso. Por isso, o melhor conselho que lhe posso dar é: respeite o seu tempo e o da sua família com uma boa dose de sinceridade e afeto.
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