As palmadas funcionam? As crianças não gostam de ir dormir? E será que têm medo escuro? Descubram a realidade destes 10 mitos comuns.
São as nossas crenças que nos levam a tomar decisões, diariamente. Não importa a importância ou tamanho delas. O que é certo é que essas decisões definem muito a forma como vivemos e aquilo que somos.
A forma como vivemos a parentalidade não é diferente. Estamos a tomar decisões constantemente – o que fazer agora?, o que vai ele comer hoje?, que lanche vai levar para a escola?, vai vestir o quê? deixo ou não deixo?, é aceitável, ou não? toma banho hoje ou amanhã?, etc, etc, etc. – e são as crenças que nos ajudam, ou não, nestas escolhas diárias e difíceis.
A Parenting Coach Carolina Vale Quaresma aponta 10 daqueles que considera ser o top dos mitos sobre as crianças que os adultos precisam de reflectir, para, eventualmente, alterarem as suas crenças e, consequentemente, as suas decisões.
1. As crianças entendem as excepções como eles
MITO. Quando dizemos o “pode ser, mas só hoje”, para elas é uma abertura para amanhã também ser. E porquê? Porque realmente se não se pode nunca, mas nestes dias já se pode, porque é que amanhã não pode também?
Quando elas só dormem no quarto dos pais ao fim de semana, nós temos a noção do fim de semana, mas elas não. Quando adormecemos os bebés ao colo porque está doente, o raciocínio dele não é “eu estou doente, então os meus pais adormecem-me ao colo, mas quando ficar bom, voltam a colocar-me no berço bem acordadinho”.
Eles não entendem a excepção e pensam apenas que se isto está a acontecer agora é porque amanhã também será assim… se não for, “bom, então aí terão de me ouvir reclamar!”
2. O choro das crianças é sempre de sofrimento
MITO. As crianças choram para se expressarem, essencialmente. Para fazer pedidos, para nos orientar sobre aquilo que, eventualmente, precisam. São pistas daquilo que poderá faltar. Este faltar nem sempre significa que estão em sofrimento. Nem pensar! Significa um “mamã e papá, preciso de dormir!”, “são horas de comer!”, “avó, fiz um cocó grande”, “está calor aqui dentro”, “não quero estar aqui”, “estou cansado de olhar para estes brinquedos todos”.
Quando mais velhos, a partir dos 2/3 anos a comunicação verbal começa a fazer mais e mais sentido. E as crianças tendem a reduzir as vezes e intensidade do choro. Então, aqui chorarão quando se magoam, ou quando se despedem de alguém que gostam muito, por exemplo. Aqui sim há um sofrimento associado. CONTUDO, nem todo o choro é de sofrimento.
Nestas idades, as birras são super normais e, normalmente, envolvem choro, com gritos. Algumas acompanhadas de lágrimas (de crocodilo), outras nem isso. Há realmente uma frustração associada, mas também à semelhança de quando eram bebés uma mensagem de “eu não quero isto assim”, “faz como eu quero”.
Choro surge assim mais associado a uma forma de expressão e quase de manipulação para se chegar a um fim. Como quando os pais gritam com os filhos, tentando que assim sejam ouvidos. É isto.
Mas atenção, todo e qualquer tipo de choro é completamente, altamente e impreterivelmente NECESSÁRIO. É tão necessário como rir. É preciso para um crescimento do sistema nervoso central saudável, para descarga de stress, controlo da ansiedade, exteriorizar emoções e controlá-las.
3. As crianças não estão atentas às conversas quando os adultos falam
MITO. 99% dos momentos em que as crianças estão, aparentemente, distraídas no tapete da sala, enquanto os pais falam sobre elas, por exemplo, no sofá – estão a ser captados com a máxima atenção. Elas estarão a ouvir cada palavra. No caso de ser discussão a mesma coisa. Elas têm a capacidade de, como esponjas, absorverem o que se está a passar e o que se está a falar.
Cuidado com o que dizem à frente delas, pais. Nunca subestimem uma criança! Elas são mais atentas do que imaginam.
4. A hora de dormir é um sacrifício para as crianças, como um castigo
MITO. Quantas vezes não oiço “coitadinho, está na hora de dormir.” Ou “senão te portas bem vais já dormir!” NÃO!
Não podemos mostrar-lhes que dormir é um castigo. Não é. Dormir é bom, dormir faz bem, dormir é um direito e um dever. Dá saúde, faz crescer, ajuda a aprender, melhora o apetite, fomenta um coração saudável. Tem tudo de bom! E eles, quando aprendem que dormir é realmente bom, relaxam e adoram como ir para um parque. Então, pedem para dormir, percebemos que estão cansados e vão sossegados e felizes para a cama. Sem dramas.
Vamos ajudá-los a perceber que dormir é maravilhoso e de castigo não tem nada.

5. As crianças não levam tudo à letra e percebem as ironias e brincadeiras
MITO. Para as crianças o que nós dizemos é verdade e ponto. Não lêem nas entrelinhas. Não têm essa capacidade. Não pensam “será que a minha mãe disse aquilo a pensar em dizer isto?”. Não!
Quando elas ouvem que são feias ou más elas acreditam nisso, quando lhes chamamos de queridas, elas acreditam nisso. Se lhe falarmos no “velho do saco” elas imaginam-o, assim como se lhe dissermos que há monstros a voar durante a noite, elas acreditarão. Acreditam em tudo o que dizemos.
É tão importante termos isto em consideração na nossa comunicação com elas.
Não espere que as ironias sejam fáceis de perceber para as crianças, porque não são. Ainda não desenvolveram esse raciocínio. Um bom exemplo e teste a fazer é com os provérbios portugueses. Experimente para saber as respostas que acredito sejam bem engraçadas.
6. A comida sem sal e sem açúcar é horrível e elas não gostam
MITO. Os pais até fazem caretas a vê-los comer aquela sopa sem sal, as papas de farinha de aveia sem açúcar nenhum. Sem doce. Então, muitos colocam banana, por exemplo, porque acham que eles não vão gostar assim, porque “não sabe a nada, não é doce, não é salgado. Não sei como conseguem comer isto!”. Quem está mal? Os bebés que comem e sentem o real sabor dos alimentos, ou nós que juntamos o sal e o açúcar em tudo o que comemos, mesmo sabendo do mal que isso nos faz?
Claro que gostam! Especialmente, porque ainda não experimentaram da forma doce e salgada que nós já não vivemos sem. Por isso, pais, vamos poupá-los desses venenos. Nisto sim, vale muito a pena protegê-los.
7. As crianças têm medo do escuro
MITO. Nenhum bebé nasce com medo do escuro. As crianças desenvolvem o medo do escuro quando crescem. Normalmente, somos nós adultos que fomentamos e incrementamos esse medo nas crianças. Como? Com luzes de presença, mostrando-lhes que o escuro é mau e, por isso, evitam-no. Deixando luzes acesas por todo o lado. Dizendo que os fecham num quarto escuro, se se portam mal, entre outras técnicas. Fazemos isto sem querer, mas fazemos.
Há livros excelentes a falar sobre o escuro. Recomendo. Mas a solução do medo do escuro está, na maior parte dos casos, nos pais. No discurso e segurança que possam transmitir. Se o escuro não tem mal, porquê acender as luzes e deixar a porta aberta na hora de dormir? Vale a pena pensar nisto.
8. São crianças, logo é normal comportarem-se como crianças, nem que isso seja ser mal educado, respondão, “sem filtro” e sem maneiras
MITO. “De pequenino se torce o pepino” – Ser criança não significa ter o direito de dar respostas tortas ou não usar os talheres, correr em restaurantes ou em supermercados.
Ser criança não é dizer tudo o que se pensa, nem fazer tudo o que se quer. Há realmente atitudes que poderão ser típicas de uma criança, mas estas devem ser moldadas.
Quando chego a um café é típico eu dizer algo como “bom dia” a quem está, há claro pessoas que respondem outras não. Interessante ver que há pais que respondem, mas não encorajam as crianças a responder.
Porquê? Só porque são crianças? Que já falam e já pedem os bolos e chocolates que querem, não são encorajadas a serem bem educadas? Tenho dificuldade em perceber. E adoro ver a simpatia forçada das pessoas atrás do balcão com as crianças, pela mão dos seus pais a exigir, sem maneiras nenhumas, seja o que for ao balcão.
Assim como as maneiras à mesa. De bradar! Porque são crianças não param quietos? Porque são crianças comem com as mãos? Porque são crianças comem de boca aberta? Porque são crianças atiram comida para o chão? Porque são crianças não têm modos? Hoje crianças, amanhã adultos e “o Hábito faz o Monge”.
Pais, este trabalho é só nossa responsabilidade. Por favor, certifiquem-se que educam os vossos filhos, também, neste sentido.

9. As crianças com personalidade forte são óptimos lideres e são crianças intelectualmente fortes
MITO. De todo. Antes pelo contrário. Oiço muitos pais falar da personalidade forte dos seus filhos. Como se eles fossem quase seres superiores, os Reis da teimosia, os que vencem as guerras todas, porque são os mais valentes e persistentes. Não interessa se medem força com uma criança mais velha, ou com um adulto. Ele vai à luta e vence.
Lutam contra o sono, lutam por um brinquedo, lutam por aquele chocolate na prateleira do supermercado, lutam por aquele lugar à mesa, lutam para não comer aquele jantar, naquele dia. Lutam e lutam.
Pais, se ao lerem isto identificam o rosto do vosso filhote, ele precisa de ajuda. Como é que se pode ser feliz em luta constante com todos e numa medição de força fora do normal? Isto traz imensas birras, não é? É como se ele quanto mais tivesse, mais ele quisesse ter. Fica insaciável de atenção, de coisas, de tudo. E vocês, estafados: dão mais e mais e mais e mais de vocês e nada o satisfaz. É normal. Estamos perante uma criança fraca e cansada. Sem limites. Sem noção do que é o “Saber Viver” em paz, em harmonia.
São crianças que se verão sempre no centro do mundo. Mas que mais cedo ao mais tarde, ao sairem da redoma em que cresceram, perdem todo o poder que cresceram a acreditar que tinham. Principalmente, quando olharem para o mundo real e verem a quantidade de pessoas, bem mais altas, bem mais fortes, com muito mais força e personalidade, à volta deles. Vão-se sentir as formiguinhas mais pequeninas deste mundo. E tudo será demais para eles.
Enquanto podem, ajudem a evitar e, por vocês, pais: imponham-se como adultos que são. Tomem as rédias das situações. Não considerem que isto é só uma fase e que é da personalidade dele, ou culpa dos genes do avô. Ajudem-se a vocês e a eles. Não precisamos de pessoas pequenas a achar que são os maiores, porque nós sabemos que eles não são.
10. Palmada na hora certa funciona sempre -“eu bato nele, apenas porque ele se portou mal e bateu no irmão”.
MITO. Para mim a chamada “palmada na hora certa” é como embalar um bebé, já no desespero, para dormir. Funciona? Funciona. Se procura uma solução a curto prazo. Ou melhor, solução de momento, então funciona. Está a ensinar alguma coisa? Não. De todo. Dar uma palmada, porque o Francisco bateu no irmão? Qual o sentido nisto? É só na minha cabeça que não faz sentido e na cabeça dos mais pequenos? E quantas vezes isto acontece mesmo não fazendo sentido nenhum?
Entendo que a palmada seja suposto ser educativa, para mostrar que o adulto não gostou do disparate que a criança fez ou está a fazer. Contudo, eu proponho outra abordagem. Aliás, penso que a palmada será sempre o último recurso. E é. E é porquê? Porque, de tudo o que tenho ouvido e assistido percebo que os pais têm tipo um saco, que vão enchendo. Mais ou menos assim: à medida que a criança vai “esticando a corda”, o saco vai enchendo. E vejo pais com paciência de “Jó” a usar (e a abusar!) da conversa e de explicações (desculpem, mas tantas vezes “inúteis”, como se eles fossem adultos em ponto pequeno), depois do blá, blá blá todo, as crianças esticam a corda ao máximo e aí sim: “Temos o caldo entornado”!
Os pais num golpe de fúria, pegam a criança pelo braço, viram-na a jeito e… palmada no rabiosque. E agora ficas de castigo aí. E, normalmente, o cenário é, resumidamente: a criança a chorar (desta feita, com razão para isso), o adulto muito enervado, ainda fala por cima de tudo isto e diz coisas tipo “estavas mesmo a pedi-las. Tantas vezes que te pedi com todo a a paciência para parar e tu não paravas, Isto era escusado. Podíamos estar tão bem e estamos assim”. E, naquele momento já temos um adulto, com peso na consciência a explicar porque é que tinha feito aquilo, para ele próprio se mentalizar que teve razões para isso, e para que o filho não pense que ele é “o mau” da história (como se a criança não soubesse que quem estava a portar-se mal era ela!). E os papéis invertem-se e daqui a pouco tempo estará o pai a pedir desculpa à criança, por, no fundo, a ter feito parar.
Que pedagógico pode ter uma palmada, neste e em tantos outros contextos? Que ensinou ela? Que quando o saco fica cheio eu rebento? Como saber se o saco da outra pessoa está prestes a rebentar? Com 10 avisos? Ou só ao fim de 20? Quem sabe quantos avisos são precisos? Os vossos filhos sabem até onde podem ir?
Bom, para mim a solução passa na firmeza com que se diz “já chega!”, muito antes de ter o saco cheio. Antes de ter sequer de pensar em dar uma palmada. Antes de tudo isso, encurtar o seu limite e dizer com palavras claras e firmes o que quer ou não quer. Não é a criança que deve ultrapassar o limite é o adulto que deve limitar e não deixar passar, para ele próprio não ultrapassar os (seus) limites ao ponto de perder a razão e a cabeça. Mas isto é um trabalho diário. E um treino.
Não julgo quem dá uma palmada na hora certa, prefiro isso a não haver qualquer punição ou consequência pelos actos, honestamente. Mas acredito que há outras formas de contornar este problema. A maior parte dos problemas que temos com as crianças são problemas de comunicação. Atrevo-me a dizer que pecamos por falar demasiado com elas, muitas vezes.
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