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Superproteção parental: inimiga da resiliência

resiliência

Ao querer proteger os nossos filhos, estamos a limitá-los?

Vais aprender a jogar ténis, porque eu queria ter tido essa oportunidade e nunca tive.

Ir para essa área de estudo no 10º ano é desemprego garantido.

Eu escolho a roupa porque, se fores tu, vai dar mau resultado.

Não posso permitir que vás para a escola sem os TPC feitos. Que vergonha.

Sem estudares, não atinges o teu potencial. Anda, senta-te aqui que vou fazer-te resumos dessa matéria. Não te quero a ter notas mais baixas do que as que sei que és capaz.

Não vejas esse filme, vê antes este que eu vi há uns tempos.

Este emaranhado de frases tem uma mensagem transversal: “Eu é que sei o que é certo para ti, tu nem por isso. Por isso, eu é que decido.” 

Na essência, pais que assumem este papel mais superprotetor são pais genuinamente atentos aos filhos, que desejam que eles nunca tenham de passar por experiências dolorosas (a vergonha por um comentário jocoso a uma indumentária, a desilusão por uma nota mais baixa, a angústia de uma escolha, a tristeza por um desentendimento com um amigo, a frustração por um projeto não conseguido…).

Os pais não querem ver os filhos sofrer e consideram válido qualquer movimento no sentido dessa pretensa proteção.

Acontece que lidar com acontecimentos emocionalmente desafiantes será uma inevitabilidade ao longo da vida. Superproteger um filho afasta-o de oportunidades para desenvolver recursos para lidar com situações exigentes. Inês Afonso Marques, Psicóloga Clínica e Coordenadora da área infantojuvenil da Oficina de Psicologia, fala-nos sobre superproteção em confronto com resiliência.

Ao tomarem todas as decisões pelos filhos, gerirem todas as áreas da sua vida, substituírem-se a eles nas mais variadas tarefas, ao proteger do contacto com a falha ou o erro, os pais colocam os filhos numa posição de vulnerabilidade.

Aquilo que no presente poderá ter um fundamento aparentemente positivo, no futuro pode implicar que o filho, já adulto, não saiba tomar decisões, não saiba gerir o tempo, o dinheiro, as relações ou as emoções. A superproteção não alimenta a autoestima e a autoconfiança das crianças.

A superproteção não promove a resiliência – algo que precisamos ao longo da vida para lidar com acontecimentos mais ou menos inesperados, que nos “trocam as voltas” e colocam as nossas emoções numa viagem de montanha russa.

A fronteira entre a superproteção e a atenção e cuidado parentais que não anulam a liberdade de escolha da criança ou adolescente, que não os impede de desenvolver a sua capacidade de resolução de problemas, que não atrapalha o desenvolvimento da autoconfiança pode nem sempre ser muito clara. Está por vezes em subtilezas como:

Não tens um trabalho de Ciências para entregar dentro de três dias? Porque é que ainda não te vi a fazer nada? / Precisas de ajuda para o teu trabalho de Ciências?

Vais aprender a jogar ténis, porque eu queria ter tido essa oportunidade. / Na nossa família valorizamos a atividade desportiva. O que gostarias de experimentar fazer?

Escolhe a área profissional onde te imaginas feliz e realizado. / Quem escolhe essa profissão fica no desemprego. Pensa noutra coisa.

Prefiro um quarto arrumado por ti ao teu gosto, do que um quarto sempre desarrumado. / Ora tens o quarto num caos, oras escolhes organizá-lo de uma forma que ninguém se entende. Se não for eu a pôr-te tudo em ordem…

Reenquadrar este tema é desafiante. Tenho consciência disso. Como protejo o meu filho, dando um passo atrás e ficando a observar, correndo o risco de o ver sair-se magoado?

A verdade é que esse espaço pode ser determinante para alcançar aquilo que mais almeja – que, no futuro, ele seja uma pessoa realizada e satisfeita. Que se sinta mais capaz, mais confiante, mais resiliente. E dar um passo atrás, não significa desaparecer do radar.

Continuará sempre a ser porto seguro. Guiar, apoiar, ajudar, orientar não significa resolver todos os problemas do seu filho. Adote uma postura apoiante, mas não controladora.

O cérebro de uma criança que vive em permanente pressão (Eu faço. Já foste? Não devias? Olha que… Não tens de? Eu é que sei…) é um cérebro com o sistema de alarme sempre ativado, pronto a atacar ou fugir para sobreviver, como se estivesse mergulhado numa selva repleta de animais selvagens.

Com este circuito em permanente ativação há menos oportunidade de ativação e desenvolvimento saudável do córtex pré-frontal, a zona do cérebro que funciona como o comandante do foco, do planeamento, das decisões e da regulação emocional.

No guia de resiliência para pais do meu último livro infantil – Sonhar com o arco-íris, da editora Zero a Oito – sugiro um exercício que permite às crianças ganharem consciência das áreas da sua vida que controlam e compreender que, ao focarem-se nessas dimensões, poderão ser mais resilientes em situações imprevistas e que podem ser verdadeiros desafios à capacidade de adaptação.

Sugestão para hoje, num momento de tempo especial, de atenção plena, entre pais e filhos: fazer uma lista de aspetos que o seu filho controla ou tem poder de decisão na sua vida.

Pensem na roupa, nos amigos, na comida, nas tarefas domésticas, na gestão do estudo, na gestão do dinheiro da semanada, nas brincadeiras, nos sonhos profissionais, nas atividades extracurriculares…

Dar ao seu filho oportunidade para tomar decisões e lidar com potenciais falhas, enquanto cresce, é permitir que em termos cerebrais se desenvolvam os circuitos necessários para que se sinta progressivamente mais resiliente em situações de stress.

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