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As “más viagens” dos finalistas

viagem de finalistas

A auto-gestão dos finalistas é que pode - ou não! - ser má.

As viagens de finalistas são, para muitos pais, sinónimo de ansiedade e dores de cabeça. Eduardo Sá é psicólogo clínico, psicanalista, professor e escritor – e uma voz poderosa na quebra de tantas ideias pré-concebidas, que hoje nos fala sobre estas viagens tão polémicas.


A esta hora estarão por praias de Espanha 7000 adolescentes portugueses do ensino secundário, naquilo que se convencionou chamar viagens de finalistas. As idades deles todos variam. Mas são 7000 adolescentes. Todos juntos e em auto-gestão. Numas viagens com algumas escalas técnicas para que a GNR detecte se se fazem acompanhar por estupefacientes. E “aconchegada” com cauções, para todos eles, que previnam que alguns colchões voem direitamente dos seus quartos até à piscina a custo zero. E com um programa de festas que, regra geral, incluem o bar aberto a partir das 14 horas, um festival de música com muitos deles a confraternizar às centenas dentro duma piscina e, nalgumas circunstâncias, com algumas bandas a animá-las e com um ou outro espetáculo de striptease.

Em primeiro lugar, faz sentido que lhes chamemos finalistas? Faz. Afinal estão a terminar o ensino secundário, não é? Se bem que esta “onda de finalistas” já esteja a chegar ao 8.º e ao 9.º anos de escolaridade, com viagens de 4 dias, por exemplo, ou com festivais lúdicos de uma semana, em Portugal.

Nalgumas escolas, tem dado, também, lugar a “bailes de gala” no 4.º ano de escolaridade. E outras coisas do género. Estamos, portanto, numa tendência que vai no sentido de celebrar a conclusão de ciclos escolares dos nossos filhos. E isso seria bom. Se assumíssemos a gratidão que a escola e os professores nos merecem por os levarem pela mão em direcção a novos planaltos de onde se veja melhor e se veja mais longe.

Mas, na maior parte das vezes, não é assim. As crianças, por influência dos pais, vivem a escola como muitas delas viviam, antes, as academias de futebol, que não serviam para fazer duma actividade desportiva outra coisa que não fosse uma “escola de craques”. E pouco mais. Tudo numa euforia tal que não dava nem tempo para ter com o aprender uma relação que só se tem com o que é sagrado.

Em segundo lugar, esta tendência para mais finalistas do que alguma vez existiram inquieta-me. Sobretudo, quando, vendo bem, os nossos filhos são “inicialistas”, felizmente. Em relação a quase tudo. Aliás, devíamos fazer uma festa de cada vez que iniciam novas relações e novos conhecimentos. O que nunca acontece. E outra, claro, sempre que iniciam um caminho e, com perseverança, o concluíram.

Não que eu ache que a festa seja um perigo. Não é! Aliás, temo mesmo que o direito à festa esteja à beira da extinção. O que  vemos nas festas dos nossos filhos (patrocinadas por nós) – “finalistas”, incluídos – não são bem festas. Festas são lugares amigos do encontro, da convivência, de júbilo e da alegria. E aquilo que lhes estamos a proporcionar são clareiras de euforia, amigas do êxtase e da catarse.

Em terceiro lugar, compreendo e aplaudo que os adolescentes vibrem com experiências iniciáticas como as viagens de finalistas. Quem de nós não os entende, com ternura? Unicamente aqueles que vivem o amor que eles têm pela vida com a inveja de quem se desencontrou dele. E aí, volto a ficar preocupado.

Será que a maioria dos pais que dá o seu aval a estas viagens o faz reconhecendo que elas serão formas simbólicas dos seus filhos darem mais um passo na direcção a serem pessoas mais autónomas e mais crescidas ou será que se “encolhem” em relação a qualquer opinião que possam ter, com o receio de deixarem de ser tão “fixes” como acham que os pais deviam ser? Se for assim, é mau! Porque pais que são fixes não são pais: são pais que pedem desculpa (e quase se envergonham) quando têm de ser pais. O que não é bem a mesma coisa.

Em quarto lugar, tenho medo que estas viagens entrem num pacote promocional do género: “Aproveite os melhores anos da sua vida! Antes que esgotem…” Mas desde quando é que a adolescência são os melhores anos da nossa vida?

– Desde a altura em que descobrimos que a espatifámos sem a vivermos, por exemplo. Que é – cuidado! – aquilo que estamos a ajudar que os nossos filhos façam como se não déssemos por isso;

– Desde o momento em que reconhecemos, num desabafo, que sem se “fazer porcarias” nunca se cresce. O que é questionável, sobretudo, quando, ao mesmo tempo que não permitimos dúvidas, erros e enganos aos nossos filhos (em relação à escola, por exemplo);

– E desde as circunstâncias em que pressupomos que crescer é um conjunto de promoções pelas escadas abaixo. Como se os melhores anos da nossa vida e o futuro nunca casassem como deve ser. Ou seja, podem os nossos filhos crescer com bons exemplos sempre que os pais amam a sua vida num registo mais próximo de: “Ó tempo, volta para trás”?

Em quinto lugar, tenho medo que muitos pais queiram que um filho viva tudo aquilo que eles, na idade dele, deixaram por viver. Numa ânsia de quem recomenda “nunca guardes para amanhã aquilo que podes fazer hoje”. Mas isso é, em muitos momentos, escorregadio. Porque dá à adolescência uma atmosfera do género: “Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida”. Que pode colocar demasiada ânsia onde devia estar, sobretudo, paixão. E que pode levar a que se fechem os olhos a alguns exageros – de viagens de finalistas, por exemplo – onde devia existir mais “músculo” e algumas interdições, até.

A adolescência é uma viagem, claro. Como tudo aquilo que se vive com alma, afinal. Mas haverá viagens que são “mais do mesmo”. Que não trazem nem novos horizontes nem histórias.

E, tomando em consideração a forma demasiado catártica das viagens de finalistas com este formato, receio que, para muitos destes adolescentes, elas tenham muito pouco de “viagem”. De boa viagem. São uma espécie de “bad trip”. Consentida pelos pais, claro. E onde os adolescentes estão mais ou menos autorizados a fazer “asneiras” sempre com a sensação de que, estando todos a olhar, “ninguém vê”.

Por tudo isto, sou a favor de viagens. Muitas. E de festas. Mas: não, a euforia nunca foi uma festa. E não, a maioria destes 7000 adolescentes não regressará de Espanha com o alento de se descobrir, depois de ter andado a sonhar com uma festa que marcaria o seu crescimento como uma luz. Pelo contrário, virão destas viagens com reticências no lugar onde deviam estar mais “vida” e mais “mundo”…

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