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A casa da avó, esse lugar estranho…

A casa da avó

Um lugar muito estranho, quase “perigoso”!

Eduardo Sá é psicólogo clínico, psicanalista, professor e escritor – e uma voz poderosa na quebra de tantas ideias pré-concebidas sobre felicidade, famílias, educação e amor. Partilhamos um texto seu sobre a casa da avó, esse lugar estranho e tão especial.


A casa da avó é um lugar estranho. Quase “perigoso”. Na verdade, chega a ser pouco recomendável. Porque na casa da avó se podem fazer muitas coisas que são muito pouco aconselháveis em casa dos pais. Andar no pátio, à vontade. Correr atrás das galinhas. Mexer na terra. Admirar uma pedra. Meter as mãos sujas na boca. Não gostar de sopa todos os dias. Rapar a tigela com a massa do bolo, e lamber a colher, de boca aberta. Pedir que ela conte a mesma história um comboio de vezes, sem ninguém se cansar. Ou comer à janela, a ver os gatos. E tudo isso é mau, claro. Porque estraga com mimos. Ou deseduca uma criança. Dizem os pais…

Ao contrário dos espaços em que as crianças se movimentam – que parecem grandes porque elas são pequenas – a casa da avó parece ter um tamanho sempre certo. Estranho; muito estranho. Porque se, por vezes, a casa da avó é pequena, porque é acolhedora, às vezes, talvez porque a bondade dela extravase para o espaço, parece imensa. E, às vezes, chega mesmo a multiplicar-se em cantinhos e recantos e outros esconderijos a que os adultos chamam ambientes e coisas assim. Além disso, a casa da avó permite que se vá de cá para lá e de lá para cá sem nunca se sair do mesmo sítio. E por mais que, por vezes, uma pessoa se cruze com uma menina que queria ser pássaro, com um pónei chamado “quiquiriqui” (como se isso pudesse ser…), e com outras personagens das histórias, a verdade é que o tempo, em casa da avó, sabe melhor. E – muito importante – não há quem se esganice. Talvez porque as pessoas, em casa da avó, pareçam ter todas nascido no país da paciência. Ou num sítio mais ou menos assim.

Aliás, a casa da avó, às vezes, parece que se estica. Talvez tenha elastano, ou outra coisa qualquer dessas, que se ajusta ao corpo de uma criança a ponto de o tornar aconchegante. E, sobretudo, muito, muito confortável!

E, depois, a casa da avó é um lugar de mistérios. Às vezes, tem um sótão. Onde não se guardam os “macaquinhos” que uma criança, pelo que dizem, transporta na cabeça. Mas onde há objectos esquisitos carregados de histórias. Em que ela deixa que se mexa! Na verdade, que ela ajuda a desarrumar. E isso é, mesmo, muito bom. E existe – aí, existe sempre! – uma arrumação. Primorosamente… desarrumada. Com imensas caixas que guardam tantas coisas (seguramente, preciosas) que devia ser obrigatório existir em todas as casas um sítio assim. Fechado à chave. Como são todas as coisas preciosas que deixam entrar o sol, e que, por isso mesmo, são tão indispensáveis que se guardam para sempre, mesmo quando não são precisas. (Arrumação… desarrumada. Devia ser assim o quarto de todas as crianças! Mas ainda faltam algumas coisas para que a mãe aprenda quase tudo com a avó!…)

E , depois, existe o cheiro a casa da avó. Que é uma espécie de perfume entre o bolo de maçã e a naftalina, que enche a alma. Aliás, se houvesse um perfume que lembra a Natal, o cheiro de casa da avó é o sítio mais perto do cheiro a Natal que pode existir. Um cheiro sente-se quando se fecham os olhos, não é? E escuta-se. Porque todos os cheiros têm um som. Ou outra coisa qualquer – inspiradora – mais ou menos assim.

Vendo melhor, na casa da avó as pessoas parecem ter tempo umas para as outras. E isso é estranho! Por mais seja isso – sem dúvida mesmo nenhuma – que mais nos faz sentir em casa.

E, depois, há a sopa da avó. Que tem de ser de cenoura, claro. Porque ela garante que faz os olhos bonitos. E se ela diz!…

E depois, nas noites em que se dorme em casa da avó, não é preciso que se contem histórias às crianças. Não! Uma pessoa esgueira-se, sem ela ver, sob os lençóis da cama dela – “só hoje, sim?…” – e, quase por magia, dorme-se com os avós. E, se a avó estiver num dia mau, uma pessoa desculpa-se com os sonhos e, logo a seguir, passa direitamente do pesadelo para o céu. Que – não há que enganar – fica ao o pé dela. E nem a rede ou os rolos da avó – que ela usa para não estragar a mise, que a faz parecer mais um astronauta ou uma pessoa doutro planeta que, estranhamente, ressona como ela – rouba a boa disposição que o sono acaba por ter quando se dorme em casa dela. Tanto assim é que, para que a alma se encha, o “só hoje, sim?…” devia ser obrigatório. Muitas vezes!

A casa da avó é um lugar estranho. Quase “perigoso”. Na verdade, chega a ser pouco recomendável. Porque “estraga” com mimos. Ou “deseduca” uma criança. Mas, vendo bem, se eu mandasse, todos os sítios – todos, mesmo! – (pelo menos, de vez em quando) deviam ser parecidos com a casa de avó.

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