- Carolina, larga as saias da mãe! – dizia-lhe a tia Luísa – Quando casares não vais levar a mãe contigo, pois não?!
E que mal haveria se levasse a mãe comigo, pensava Carolina, porque estava a tia a falar destas coisas. Carolina gostava da tia Luísa, mas não queria ficar em casa dela e era por isso que a tia parecia estar chateada quando dizia estas coisas. Mas era mais forte que Carolina! E se ficasse com a tia e, de repente, precisasse da mãe? Só a mãe podia ajudar em determinados assuntos da sua vida, por exemplo, quando encontrava um cão que temia, quando alguém que não conhecia e a mãe explicava que Carolina era tímida que daí a algum tempo já falaria e puxava-a para o seu colo. E a mãe tinha um colinho tão bom! Sentia uma coisa tão forte que não conseguia ficar sem a mãe…
Então, a mãe pegou na mão de Carolina.
– Ficas com a tia apenas duas horinhas, que é o tempo da mãe ir à consulta no médico! Vais divertir-te muito e eu volto num instante!
APENAS duas horas?! Divertir-me na casa da tia Luísa? Não… não vou conseguir! Enquanto pensava isto, Carolina já sentia as mãozinhas a tremer e as lágrimas a escaparem pelos olhos, até o coração parecia que ia disparar, alguma coisa de mal estava a acontecer.
– NÃO QUERO! – Gritou – Quero ir contigo! Eu porto-me bem!
Mas não era por se portar menos bem que a mãe não levava Carolina. Na verdade, a mãe já andava preocupada com Carolina há algum tempo, pois era quase impossível passar algum tempo sem a filha. Até para a casa de banho, Carolina a seguia. Por vezes, nalguns dias em que o pai estava em casa, era possível “estar sem a filha” mas, mesmo assim, não era a mesma coisa. Além disso, o marido trabalhava em Angola e há muito que a maior parte do tempo se resumia a ela e Carolina juntas.
Porém, o grande problema avizinhava-se já em Setembro, momento em que Carolina deveria entrar na escola primária… Até então tinha estado sempre consigo em casa, mas agora teria mesmo de ir para a escola e não via a filha preparada para o fazer. Ficar com a tia Luísa estas horas era o início de um treino que a mãe queria fazer… A própria irmã lhe dissera “Ela está demasiado apegada a ti, não é bom para ela, nem para ti!”. A mãe sabia mas, lá no fundo, gostava tanto de estar sempre com a sua filha, pois desta forma sabia que ela estava sempre bem. Não que não confiasse nos outros mas, uma mãe é diferente. Toda a gente sabe isso! Talvez devesse tê-la colocado no infantário… Mas não fazia sentido tendo o tempo para estar com a filha e, além disso, pensar nessas coisas não iria ajudar neste momento. Tinha de ser forte e deixar a filha em casa da irmã, mesmo que a tristeza de Carolina lhe partisse o coração.
Tinham feito tudo com o maior cuidado, tinham passado a manhã as três juntas para Carolina não estranhar a tia (apesar da menina estar perfeitamente à vontade com ela) e tinha dito à filha que não poderia ir consigo à consulta. Oh! Que espécie de mãe faz isto?, mas no fundo sabia que era o melhor. Respirou fundo e tentou estar calma:
– Carolina, a mãe queria levar-te mas não pode! Sei que estás com medo, mas com a tia Luísa fica tudo bem! Além disso a mãe volta num instante!
A Carolina nem queria acreditar. O dia estava a ser perfeito até aquele momento! Como é que ficaria sem a mãe? E se alguma coisa acontecesse à mãe? Podia ser atropelada. Podia não voltar mais… que medo!
– E se tu nunca mais voltas?! – perguntou a chorar.
A mãe pegou nela ao colo, sentou-se no sofá e, calmamente, explicou:
– Achas que eu não volto? Nunca te deixaria! Eu adoro-te! E sei de uma coisa muito importante que tu te estás a esquecer. Tu és uma menina super corajosa e que tens toda a ajuda da tia Luísa!
A Carolina queria ser corajosa. Mas como era possível se todo o corpo tremia e se a cabeça continuava a dizer que ia correr tudo mal?!
Então a mãe fez uma proposta.
– Ainda temos um tempinho e acho que a tia Luísa nos pode ajudar.
Ajudar em quê? Só se me levasse com a mãe, pensava a Carolina.
– Vamos pensar como te podes sentir um pouco melhor enquanto eu não estiver. Talvez possa ligar quando chegar à clinica, assim saberás que cheguei bem!
Isso era boa ideia, mas continuaria em casa da tia… O corpo continuava a tremer e as lágrimas não paravam.
– Talvez possamos fazer algo que gostes muito. O que poderia ser Carolina? – perguntou a tia Luísa.
Carolina não sabia. Era como se a sua cabeça estivesse parada. Tudo em branco. Naquele momento não gostava de nada…
– Não sei! – Respondeu baixinho.
– Deixa-me ver…Um passeio no parque. Podíamos ir dar o resto do pão aos patos do lago. E depois… Já sei, tenho uma ideia brilhante. Podíamos fazer um bolo para quando a mãe voltar. O que achas?
Carolina estava dividida. Adorava as ideias da tia, mas continuava a sentir algum medo. Porém quando notou bem, já não estava a chorar. Talvez fosse um bocadinho corajosa apesar de tudo.
– Está bem…
A mãe despediu-se e Carolina voltou a sentir um grande aperto no coração, as lágrimas voltaram a correr um pouco, mas a tia Luísa deu-lhe um grande abraço que não resolveu tudo, mas ajudou o coração a acalmar um bocadinho. Saíram para a rua, voltaram e passaram duas horas e ainda o bolo não tinha saído do forno quando a mãe voltou. E que feliz que a Carolina ficou!
Foi a tarde mais difícil que Carolina se lembrava, mas também aquela em que se tinha sentido mais corajosa! Afinal de contas tinha sido divertido estar com a tia Luísa.
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O medo da separação das pessoas de quem gostamos muito é comum a todos nós! Em muitos momentos sentimos, mesmo que seja um leve aperto no peito, quando deixamos alguém importante. Como somos “crescidos”, aprendemos a tranquilizar esse aperto e tudo fica bem. Porém, para os mais novos, aprender a tranquilizar este medo pode ser muito difícil. A ansiedade de separação é um quadro clinico que traz sofrimento a muitas crianças, que as deixa em sobressalto, com a cabecinha cheia de pensamentos negativos e que, muitas vezes, dificulta que se desenvolvam de uma forma saudável e experimentem novos desafios.
A separação, mesmo que curta, é difícil para todos numa família. Cabe aos pais serem a principal fonte de autonomia e confiança para os seus filhos. Tal como a mãe da Carolina começou por fazer, é importante utilizar algumas estratégias como: ir deixando a criança com pessoas da sua confiança, promover a familiaridade com esse espaço e pessoas enquanto está com a criança, cumprir aquilo que promete (p.e. as horas em que a vai buscar), começar com pequenos períodos de tempo que vão aumentando, transmitir sempre o quanto ama a criança, garantir que voltará, nunca menosprezar o medo que a criança sente, pois ele é real e muito doloroso!
Confie em si, confie no seu filho, dê-lhe asas para ele crescer e voltar sempre que precisar de si. Afinal de contas, ser pai é isso mesmo, estar com os filhos em qualquer momento da sua vida, mesmo que não fisicamente!
Este artigo, escrito pela Psicóloga Inês Custódio, foi-nos cedido pela Oficina de Psicologia.
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