Joana Rita Sousa, autora do projeto Filocriatividade, partilha connosco como se trabalha a Filosofia para crianças, os seus benefícios e desafios.
Kant no jardim de infância? A filosofia para crianças pode começar logo aí.
A grande maioria das pessoas tem o seu primeiro contacto com a Filosofia no ensino secundário, com 15 ou 16 anos. O projecto de Joana Rita Sousa (filocriatividade), filósofa e mestre em filosofia para crianças, apoia-se na ideia veiculada por M. Lipman e Ann Sharp, entre outros autores que se seguiram, de que o pensamento crítico pode ser trabalhado muito antes disso, logo no jardim de infância.
A filosofia para crianças (que também pode denominar-se de filosofia com crianças) trabalha também o pensamento criativo e o pensamento colaborativo. Afinal, a proposta passa por pensarmos em conjunto, uns com os outros. Numa oficina de filosofia para crianças provocam-se momentos de interrogação, de construção de pensamento a partir das ideias de outra pessoa, de reformulação de hipóteses, de sugestão de ideias novas,
entre outros.
As crianças estão no mundo e têm algo a dizer sobre o mundo que as rodeia. O espaço e o tempo de diálogo que a filosofia lhes abre permite-lhes ver as suas ideias a acontecer, bem como posicionar-se sobre as coisas:
- concordo?
- não concordo?
- porquê?
- será que há outra forma de dizer as minhas ideias?
- podemos pensar a partir da ideia de alguém que não é meu amigo?
Posso concordar com alguém que não é meu amigo?
Dizer que não concordamos com aquela pessoa que não é nossa amiga é típico nos grupos de crianças. O Pedro diz que concorda com a Margarida pelo facto de serem amigos. E que não concorda com o Rafael, pois não são amigos.
Ora, quando aprofundamos as ideias do Pedro e do Rafael verificamos que a ideia é muito parecida, senão mesmo igual, mas dita por outras palavras. Não é estranho que o Pedro diga o mesmo que o Rafael mas diga que não concorda com ele?
Podemos apelidar que esta situação é um pouco tonta, todavia é algo que nos acompanha na vida, nos mais diversos âmbitos (pessoal, académico, profissional). Quantas vezes evitamos mergulhar e analisar as ideias e ficamos apenas pela simpatia ou antipatia que temos perante quem está a falar?
A filosofia dá-nos ferramentas para analisar, criar, recriar pensamento, a partir das minhas ideias e das ideias dos outros – mesmo daqueles que não são meus amigos. Este trabalho de pensar as ideias, de as explorar, de as pôr à prova, de as recriar – e até de as abandonar quando já não são válidas – esse é um contributo da filosofia para a nossa sociedade actual.
Que tipo de perguntas fazem os mais pequenos?
É muito curioso ver que há interrogações que nos acompanham ao longo das diferentes fases da vida. Ilustro com um exemplo: a finitude. Este é um problema filosófico que nos acompanha ao longo da vida, ainda que a colocação da pergunta seja diferente.
Vou partilhar exemplos que já presenciei: no jardim de infância uma criança perguntou “A mãe disse que o avô morreu. Para onde foi o meu avô?”. Numa oficina de filosofia online, uma criança de 11 anos diz que a pergunta que mais a incomoda é “O que é que acontece quando morremos?”. Recentemente, no #ClubeDePerguntas, uma pessoa adulta perguntou “Por que é que não sou imortal?”. Há perguntas que nos inquietam ao longo da vida e que é colocada de formas diferentes.
As oficinas de filosofia são difíceis?
Sim, as oficinas de filosofia são difíceis, pois exigem um trabalho que não é natural: parar para escutar e para pensar. Somos obrigados a parar o pensamento para que seja possível, de certa forma, olhar para o que estamos a dizer.
Por outro lado, as oficinas de filosofia são lúdicas. Na minha prática é comum transformar o exercício filosófico num jogo e desta forma criar uma base ou provocação para o pensar. É permitido o espanto e a exploração de ideias, arriscando pensar aquilo que ouvimos e nos faz dizer, com os olhos muito abertos: “nunca tinha pensado nisso”.
“Pensei coisas que achava que eram complicadas e agora fomos mais a fundo nessas ideias.” (V., 11 anos)
Nem todas as crianças gostam de sopa – o mesmo acontece com a filosofia
Filosofia e colheres de sopa
Desde 2008 que ando pelo mundo fora a filosofar com a criançada e a partilhar com pais, educadores e professores aquilo que são as práticas da filosofia para / com crianças. A par da teoria – fundamental para que se possa perceber o que é, como acontece, porque é que acontece – partilho a minha experiência de trabalho com as crianças e os jovens.
Gosto de responder às perguntas e dúvidas que me colocam utilizando exemplos. Em tempos, um conhecido perguntou-me: “então Joana, como corre o projecto? As crianças gostam?” Respondi: “o projecto vai correndo e nem todas as crianças gostam. Assim como nem todas gostam de sopa. Nós continuamos a incluir a sopa na sua alimentação, pois consideramos que é importante para elas.”
Podemos aqui debater se devemos mesmo obrigar todas as crianças a comer sopa só pelo facto de ser consensual que a sopa faz bem. Creio que se o momento da sopa se revelar num momento traumático para a criança, talvez seja melhor dar-lhe uma configuração divertida ou até apresentar-lhe os mesmos ingredientes, sob outra forma. O que considero importante é que a criança tenha a oportunidade para provar a sopa. Depois, até pode não gostar ou ficar fã. Só vamos saber se lhe dermos sopa a provar.
A filosofia é uma seca. “Mas”.
Em tempos, numa reunião numa escola onde trabalhei, um pai dizia-me “O meu filho não gosta das suas aulas, acha que a filosofia é uma seca.” E eu sorri para o pai e disse: “Sim, eu sei, o seu filho já me disse isso.”
Procuro encontrar e criar estratégias para chegar a cada uma das crianças, mas tenho consciência de que umas actividades irão agradar mais a uns do que a outros. Quando eu tinha a idade das crianças com quem me cruzo no também não gostava de expressão plástica. Nem por isso deixava de tentar fazer o meu melhor – é que mais tarde, na vida, isso acontece muito: fazermos coisas das quais não gostamos, que são uma seca. “No limite, estamos a preparar o seu filho para a vida – o que me diz?” – respondi ao pai, devolvendo a pergunta.
Nessa mesma reunião houve uma mãe que pediu a palavra e disse “Eu não sei se os pais todos aqui presentes já repararam, mas o facto de haver filosofia na nossa escola, no 1º ciclo, é uma mudança de paradigma. Finalmente temos um espaço para explorar perguntas, em vez de estar só a ser premiado pela resposta certa e penalizado pela errada. Aqui eles podem experimentar o pensamento e até errar, sem que isso seja dramático. E pronto, nem todos gostam. Não vou obrigar a minha filha a gostar, mostro-lhe apenas que é importante para ela experimentar isto.”
Provar a sopa é importante para os miúdos – e para os graúdos.
“Só mais uma colher”
Sobre as minhas aulas de expressão plástica: confesso que tenho cá por casa livros para colorir e continuar a treinar e que uma das minhas oficinas de filosofia chamava-se “colorir fora dos traços”. Valeram-me as colheres de sopa que ingeri, mesmo sem gostar muito.
(A autora não escreve segundo o AO90).
A autora, Joana Rita Sousa, autora do projeto Filocriatividade, deixa-nos o convite para visitar o seu blog onde partilha actividades e recursos que podem ajudar a criar momentos de diálogo em casa ou na escola.

“Recentemente partilhei uma proposta para pensar a escola e a liberdade.
Há outros recursos disponíveis, como o #kitdedialogoFILOCRI ou o baralho Eu penso, eu escolho Editado pela The Happy Gang.
Ao subscrever a newsletter filocriatividade pode receber no seu e-mail outras sugestões de diálogo e de exploração da filosofia para / com crianças e jovens.”
Fiquem também a conhecer a Agenda #filocriatividade
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Pois sim, a filosofia tira fora de nós, adultos, o menino que não sabia responder às muitas perguntas da realidade que o circundava. Então, devemos lembrar um pouco mais vezes que cada pergunta que desistimos de fazer é uma oportunidade perdida.
Reflexão muito interessante, Vicente! Cada pergunta é sem dúvida um sem fim de possibilidades.
Que continuemos sempre a perguntar!
Obrigada pela partilha 🙂
Saudações abobrinhas!
Agradeço toda a informação que disponibiliza.