Crianças sem recreio, não! Obrigado! - Pumpkin.pt

Crianças sem recreio, não! Obrigado!

recreio direito

O recreio faz parte do direito à escola!

Eduardo Sá é psicólogo clínico, psicanalista, professor e escritor – e uma voz poderosa na quebra de tantas ideias pré-concebidas sobre felicidade, famílias, educação e amor. Quase a começar o ano letivo, fala-nos sobre a falta de recreio como punição e disciplina. Fará sentido?


Escuto, quase todos os dias, alguns pais que me dizem que os seus filhos, todos eles alunos do primeiro ciclo, ficaram sem o recreio. Alguns deles estão sem recreio há uma semana. E, nalgumas circunstâncias, há mais tempo. Os motivos para que isso se dê passam pelo “mau comportamento” em sala de aula, pela forma como se atrasaram numa tarefa proposta pelo professor ou porque estariam, simplesmente, distraídos.

Gostava muito que ficasse claro que o discurso sobre a disciplina me incomoda muito. Regra geral, porque ele ressalta quando a autoridade de um professor, as regras que cumpre e que exige e os bons exemplos que acaba por dar não coincidem tanto quanto deviam.

Por outras palavras, tenho sempre o receio que quando falta a autoridade ressalta a disciplina; e vice-versa. Gostava, ainda, de esclarecer que a autoridade de um professor, em sala de aula, será, no meu entendimento, “sagrada”.

Logo, desafiar um professor, magoá-lo na forma como se “pisa o risco” em relação àquilo que ele se propõe repartir ou ignorar as observações que ele entenda colocar a um aluno não podem entrar por uma deriva do género: “ainda está para nascer quem há-de mandar em mim”.  E gostava, finalmente, de deixar claro que aquilo que se passa em sala de aula tem de ser, regra geral, gerido por um professor.

Logo, usar a caderneta do aluno para comunicar infracções que uma criança protagonize e que, em tempo real, não mereceram a intervenção e a gestão activas de um professor também não me parece ser a estratégia mais equilibrada para o ensinar a ter regras e a respeitar quem merece ser respeitado. A Caderneta do Aluno, por outras palavras, não pode transformar uma criança num carteiro de “queixinhas”. Nos dois sentidos.

Todavia, a existência do recreio, num dia de aulas, não se discute. As crianças precisam de ter recreio. O recreio é “vitamina do crescimento”. O recreio é uma oportunidade de aprendizagem tão séria como a sala de aulas.

O recreio é amigo da aprendizagem das crianças e, sobretudo, da atenção. O recreio dá-lhes rasgo, tenacidade, autonomia e vida. Quanto mais as crianças têm recreio melhor relação com a escola elas terão.

Ficar sem o recreio está, então, para os alunos do segundo ciclo, como ir de castigo para a biblioteca (que, como se sabe, é o sítio da escola para onde não se vai por prazer; mas “por castigo”!).

Ora, pergunto eu, o que é que se ganha ao deixar uma criança, por um ou por vários recreios, fechado na sala (ou circunscrita a um espaço como as escadas, por exemplo)? Ele aprende melhor na aula seguinte? Estará com atenção redobrada a partir daí? Passará a respeitar com outro cuidado aquilo que o professor lhe entenda propor? E não sendo assim, será razoável que se abuse dessa medida quando não será à custa de não ter recreios que se passa a amar a escola como, até aí, não sucedia?

Atenção, não me interpretem mal. Eu entendo que um aluno precisa que, por vezes, um professor se zangue. Que o advirta. Ou que lhe levante a voz. Sobretudo quando tem dele afecto, sabedoria e sentido de justiça, todos os dias. E mesmo que, por vezes, um professor esteja cansado, “atropelado” por preocupações ou outras coisas mais.

Mas, excepções à parte, é verdade que uma criança, quando tem num professor um cúmplice de quem gosta, que respeita e que admira, acata as regras que ele entende exigir. E, mesmo que seja lembrado delas quando é preciso, as assuma como suas, sobretudo quando elas são iguais para todos. Será preciso, nalgumas circunstâncias, que um professor se zangue com justiça? Sim! Será necessário que dê um berro à turma e só aí passe de fixe a bom professor? Também!

Mas recorrer ao castigo, de forma quase permanente, ameaçar demais ou tirar o recreio como se, com isso, passasse a conquistar a autoridade que não teria noutras circunstâncias, não é razoável!

Ficar sem o recreio é tão grave como castigar uma criança não permitindo que se vá a um treino duma atividade desportiva. Ou seja, não se pode castigar privando um filho daquilo que lhe traz conhecimento e o faz aprender. Logo, ficar sem o recreio não é como ficar sem a sobremesa sempre que não se come a sopa.

Exige que os professores se zanguem, quando devem, mas que não abusem dos castigos? Sim. Exige que pais e professores se ajudem mutuamente sempre que um aluno vai para além do razoável? Também. E precisa de pais e de professores que se articulem. Mas assumir que se cresce para o conhecimento e para a escola a ficar sem o recreio, não, por favor.

O recreio faz parte do direito à escola! Faria, então, sentido, privar as crianças das aulas como são privadas, tantas vezes dos recreios?

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