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Intencionalidade no bebé

Intencionalidade bebé

Existe intenção por trás do riso do bebé? Das expressões faciais? Catarina Rodrigues, Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta, fala-nos sobre este assunto.

Alguns pais interrogam-se sobre se os bebés muito pequenos os reconhecem e agem em resposta às suas estimulações. A questão sobre a intencionalidade tem gerado muitos estudos na área da psicologia e é, sem dúvida, um tema apaixonante.

Falar de intencionalidade no bebé é falar da sua capacidade de aprendizagem, de expressão e de provocar resposta no outro. E quando me refiro a bebé não estou a referir-me a bebés de 1 ano, mas a todo o período que o antecede. Sim, estou a pensar também na gravidez. Curiosos? Então, vamos ler alguns estudos e reflectir um pouco sobre esta questão!

O que dizem os estudos?

A partir de quando é que o bebé se manifesta?

Eduardo Sá (2003) alude a uma psicologia do feto e do bebé, afirmando que «as suas competências interactivas são muito expressivas a partir do 4º mês de vida. Emociona-se, angustia-se, constrange-se com as expressões mais rígidas da personalidade da mãe, alegra-se e aviva os seus ritmos, deprime-se a ponto de inibir o seu crescimento» (p. 88). O feto já é um ser activo em termos relacional, cognitivo e motor e tem «uma realidade mental que (…) se afirma autonomamente a partir do 5º mês de gestação» (Sá, 2003, p. 94).

Nuno Reis (2010) acrescenta que «(…) não será especulativo afirmar que, durante a gravidez, o feto desenvolve e consolida uma série de capacidades sensoriais e motoras que organizam uma actividade comportamental irrepetível e que antecipam as competências do recém-nascido e do bebé» (p. 104).

O bebé no seio da relação precoce

É no seio da relação precoce que o feto se desenvolve como um ser curioso e com capacidade proto-mental (Mancia, 1981, cit. por Sousa, 2004; Sá, 2003; Reis, 2010), capaz de:

  • estar atento aos sons, nomeadamente à voz da mãe, percebendo quando esta se lhe dirige. O mesmo é relatado por algumas mães que nos dizem que o seu filho se mexe quando o incitam, fazendo-nos pensar na questão da proto-comunicação no útero (Trevarthen, 2001);
  • experimentar as diferenças no líquido amniótico produzidas pelas tensões maternas, como por exemplo, a diminuição da oxigenação no sangue ou o aumento da concentração de resíduos metabólicos (Lecanuet et al., 1995, cit. por Sousa, 2004), reflectindo o estado emocional desta;
  • interagir com os membros do seu corpo, que a mãe denomina, tocando-lhes através da barriga ou que os imagina, sonhando acordada o aspecto físico do seu bebé;
  • estar atento aos ritmos de vigília da sua mãe e procurar a interacção e a atenção desta;
  • estabelecer ele mesmo rotinas e posturas dentro da barriga da mãe, que as mães descortinam e utilizam na atribuição de características psicológicas ao bebé que vai crescendo dentro delas;
  • sentir, através do tom de voz e do modo como os pais tocam na barriga como se lhe quisessem tocar e abraçar, o amor que estes lhe devotam e o incentivo que fazem ao seu bom crescimento e desenvolvimento. E experimentar o bom cuidado materno no produto da alimentação e do estilo de vida maternos durante a gravidez.

A intencionalidade do feto e do bebé

O feto é um «ser que sabe e conhece e explora, em suma, que aprende e está disponível para aprender» (Reis, 2001, cit. por Reis, 2010, p. 104).

A corroborá-lo estão as evidências científicas das preferências do recém-nascido pela leitura de histórias ou por canções de embalar proferidas pela mãe quando ele estava na sua barriga em relação a outras histórias e cantigas ou às mesmas mas contadas por outras mulheres (Querleu, 1995, cit. por Sousa, 2004).

Manifesta, também, preferência por posturas pós-natais idênticas à postura uterina. A este respeito, estou a recordar-me de como uns pais me descreviam que o seu segundo filho se acalmava mais facilmente quando o colocavam na posição em que estava na barriga antes de nascer. Preferências que anunciam a noção de memória fetal (Sá, 2001), prolongando a qualidade relacional existente entre mãe e bebé no útero.

Observamos, pois, como, numa gravidez normal, desde o momento inaugural, mãe e bebé estão tão atentos um ao outro, conhecendo-se, ajustando-se, preparando-se para a vida extra-uterina, existindo uma continuidade relevante entre um estado e o outro em ambos os parceiros desta dança amorosa.

Guardado num cantinho mnésico, o conhecimento que o feto/bebé vai formando a partir das respostas relacionais da mãe e do pai ainda durante a gravidez institui-se como conhecimento implícito, não-verbal, base de todo o conhecimento.

É com base nele que, após o nascimento, o bebé reage, apresentando uma proto-intencionalidade. Embora não possuindo, ainda, a capacidade de falar, o bebé é competente num tipo de comunicação multi-modal. É extremamente expressivo, utilizando todo o seu corpo para se relacionar com os seus pais.

A intencionalidade após o nascimento

E sabemos hoje que os movimentos do bebé são movidos por uma intencionalidade, isto é, anunciam um objectivo. Trevarthen (2010) afirma que os movimentos dos braços de um bebé pequeno podem ser qualitativamente diferentes, exprimindo e comunicando emoções.

Frisando o aspecto mutuamente regulador da comunicação mãe-bebé, refira-se que, desde os 2 meses de idade, mãe e bebé olham-se e ouvem-se atentamente, regulando os interesses e os sentimentos de cada um num padrão intrincado de ritmos, sinais multimodais, imitações vocais e expressões gestuais.

Com efeito, os estudos demonstraram que o bebé de 2-3 meses está emocionalmente consciente do comportamento contingente e apropriado da mãe… reagindo intensamente quando assim não acontece, procurando, através do choro e de outros comportamentos, restabelecer o nível de contingência da mãe.

O bebé e o livro vermelho

Vou contar-vos a este respeito um episódio divertido da família de que vos falava.

Os pais estavam sentados no sofá com o seu bebé de 5 meses e disseram-me entusiasmados: «Catarina, queres ver uma coisa que o nosso filho já sabe fazer?». Sim, claro, respondi eu. «Então, observa bem o que ele vai fazer quando nós lhe mostrarmos este livro e depois um livrinho vermelho…?». Eu estava curiosa!

O bebé viu com alguma atenção o primeiro livrinho, mas cedo se desinteressou. Os pais então trouxeram o livrinho vermelho. Os olhos do bebé abriram-se num imenso entusiasmo e todo o seu corpo se orientou para aquele livro, numa intensa movimentação de braços e pernas. Ele reconhecera o livro de que tanto gostava!

Logo em seguida, como que a incentivar os pais, ele mexia-se intensamente enquanto os pais folheavam as páginas e atingiu um pico de excitação quando os pais mostraram uma página com uma vaca. Aqui deu uns gritinhos e um enorme sorriso! Estava à espera de toda a brincadeira que os pais costumavam fazer quando lhe apresentavam a vaca daquele livrinho!

Com este pequeno exemplo, espero ter conseguido ilustrar a intencionalidade nos movimentos deste bebé e sublinhar que a comunicação entre pais e bebés tem como objectivo a partilha de estados mentais (Trevarthen, 2001)! Sobretudo, a partilha do prazer e da alegria! São estes os momentos que nos fazem sentir mais chegados uns aos outros!

Referências Bibliográficas

Reis, Nuno (2010), No feto o bebé: as origens da relação. Se… não: Revista de Psicanálise, psicoterapia psicanalítica e desenvolvimento humano, pp. 103-110.

Sá, Eduardo (2003), Psicologia do Feto. In Psicologia do Feto e do Bebé (3ª edição), Cap. V, pp. 85-100. Fim de Século.

Sousa, Sátya (2004), Estilos de comunicação pais-bebé. Psicológica 18. Climepsi Editores.

Trevarthen, C.  e Aitken, K. (2001), Infant Intersubjectivity: Research, Theory and Clinical Applications. Journal of Child Psychology and Psychiatry, vol. 42, nº 1, pp. 3-48. Cambrigde University Press.

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